Com um comportamento diferenciado das demais, as crianças com altas habilidades são aquelas que apresentam desenvolturas elevadas em áreas do conhecimento humano, sejam isoladas em um único campo ou combinadas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), de 3,5 a 5% da população brasileira é superdotada, com isso estima-se que o número seja de 2 milhões de pessoas em idade escolar. No entanto, de acordo com o último censo (INEP/MEC), apenas 16 mil crianças possuem o diagnóstico de superdotação no país, enquanto 12 mil têm atendimento de educação especial.
Para o psicólogo Damião Silva, isso acontece porque o processo de identificação das altas habilidades é difícil. “Existem diferentes tipos de avaliação, mas a que é mais atualizada é a multidimensional. Há vários fatores que precisam ser levados em conta como idade, história de vida, todas as inteligências (não apenas o QI), habilidades em qualquer área que seja, potenciais ainda não realizados, dentre outros”.
Ele explica que, até o momento, a ciência entende que a superdotação é uma aptidão inata. “A criança nasce com esse dom e, apesar dos traços genéticos, o ambiente tem um papel fundamental para o desenvolvimento pleno dessas altas habilidades, possibilitando que as pessoas com superdotação experimentem o exercício de seus talentos da melhor maneira possível”.
Faz parte do processo de diagnóstico uma avaliação neuropsicológica por meio de testes que identificam o nível de inteligência da criança em relação a outras do mesmo sexo, idade e outros critérios. “Quanto maior for o desempenho comparado ao seu grupo, mais inteligente ela é considerada. A análise de QI é bem objetiva, mas identificar uma criança superdotada vai além”.
Silva acrescenta que uma das principais teorias em identificação de pessoas com altas habilidades é a de três anéis de Renzulli: uma habilidade acima da média (QI), motivação (envolvimento com a tarefa, ou seja, um alto nível de produtividade) e criatividade (no sentindo de ser original, tanto com conexões e ideias incomuns a faixa etária). “Geralmente, a criança é curiosa, aprende facilmente as coisas, mantém atenção em tarefas que exijam bastante capacidade intelectual, bom humor, ironia, se preocupa com injustiças, vocabulário avançado, liderança, boa memória, comportamento que requer pouca orientação do professor dentre outras características”.
Algumas dessas peculiaridades foram observadas pela podóloga Aline Hackmann, mãe de Bruno Miguel Dagios, de 7 anos, que possui altas habilidades. “Desde muito pequeno ele apresentava percepções além da idade dele. Com 1 ano começou a falar e o vocabulário que ele usava chamava atenção. Além disso, desempenhava atividades que se destacava dos demais, a memorização e realização de ideias eram muito avançadas”.
Mas, conseguir o diagnóstico não foi simples. “Sempre falávamos a respeito disso com o pediatra, mas não tivemos um parecer na época. Quando o Bruno começou a ir para a escola, porém, as coisas começaram a ficar difíceis. Ele não tinha bom relacionamento com colegas e professores, demonstrava impaciência, agressividade e não aceitava condições normais impostas a ele”.
Os pais levaram o pequeno a psicóloga, psicopedagoga e a um neuropediatra. “Ele não queria nem ficar na sala de aula mais. Com o passar do tempo fomos tendo diagnósticos e informações. Como pais, tivemos que buscar mais recursos porque nos deparamos com um despreparo de muitos profissionais e também do ensino público”.
Quando Bruno completou 4 anos, realizou um teste para avaliar as condições de capacidade pedagógica. “Ele apresentou uma resposta surpreendente de aptidão intelectual e aprendizagem. Desde então, intensificamos as atividades, o acompanhamento e a busca de mais profissionais e recursos dentro das nossas condições. Mas, várias vezes, nos sentimos desamparados e, por falta de estrutura, não podemos oferecer tudo que seria necessário”.
Estímulo
Hoje, a principal luta dos pais de Bruno é buscar maneiras de estimular a superdotação que ele possui. Segundo o psicólogo, isso é de extrema importância, pois a avaliação traça o perfil da criança, além de dizer qual o tipo de altas habilidades que ela tem. “A partir daí devemos pensar nas estratégias escolares como enriquecimento curricular e atendimento educacional especializado”.
Ele diz que o ideal é incentivar o desenvolvimento dessas habilidades em destaque e buscar o desenvolvimento das outras que podem estar aquém. “Nem todo superdotado é bom em tudo. Por isso é essencial investir na formação de professores e na orientação de pais. Assim, é possível criar um plano de desenvolvimento adequado para cada criança. Os talentosos também precisam de apoio e não devem ser lançados a própria sorte”.
Silva afirma que os pais não precisam ter medo em procurar orientações, bons profissionais e fazer o melhor para o filho. “Devemos naturalizar as aptidões e não tratar como algo especial, milagre ou dádiva. É apenas uma forma de funcionamento diferente, entretanto, cuidar e estimular é necessário”.