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Mulheres enfrentam exclusão do crédito e taxas de juros elevadas

Elas também encaram sobrecarga de trabalho doméstico / Foto: Freepik.com

A jornada das mulheres que empreendem no Brasil é marcada por barreiras estruturais que comprometem não só seus negócios, mas também a autonomia financeira e a geração de renda. Um estudo recente da Serasa, em parceria com a Opinion Box, revela que 87% das empreendedoras já tiveram ou ainda têm o nome negativado, enquanto 68% já enfrentaram a recusa de pedidos de crédito. A falta de acesso a financiamento foi apontada por 35% como a principal dificuldade para manter a empresa em funcionamento.

Segundo a conselheira do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG), Valquíria Assis, a dificuldade de acesso ao crédito é agravada pela informalidade. “Muitas recorrem ao empreendedorismo por necessidade, sem preparação ou acesso à informação para regularizar a atividade. Esse cenário é ainda mais desafiador para as mulheres de baixa renda, que precisam arcar sozinhas com as despesas familiares e representam quase metade dos lares brasileiros”.

Para a economista, o impacto dessa exclusão vai além do aspecto individual. “Com tantas empresárias fora do mercado de crédito formal, há um enorme desperdício de potencial produtivo e de geração de empregos. A informalidade reduz a capacidade de comprovar renda, dificulta garantias e resulta em juros mais altos ou na negação direta do crédito”, pontua.

A alta taxa de endividamento, no entanto, não deve ser vista apenas como um fator negativo. “Ter dívidas não é ruim em si, desde que haja planejamento. O problema está no endividamento descontrolado, com juros abusivos e falta de estrutura financeira para honrar os compromissos”. Ela lembra que, nas feiras de renegociação do Serasa, por exemplo, as mulheres fecham até 25% mais acordos do que os homens, o que demonstra um alto grau de responsabilidade com suas obrigações.

Tripla jornada

Entre os fatores que dificultam ainda mais a trajetória das empreendedoras está a sobrecarga com o trabalho doméstico. Segundo a pesquisa, 73% delas consideram esse fator um entrave direto ao crescimento de seus negócios. “A mulher vive uma tripla jornada: cuida da casa, dos filhos e do negócio. Muitas vezes, sem rede de apoio, o tempo e a energia que poderiam ser investidos em capacitação ou gestão são consumidos pelas tarefas não remuneradas”, avalia Valquíria.

Além disso, 74% das entrevistadas afirmam recorrer a atividades informais para complementar a renda. “A informalidade é, muitas vezes, uma saída imediata diante da falta de oportunidades no ambiente de negócios, mas impõe limites ao crescimento e ao acesso ao crédito”, observa a analista do Sebrae Minas, Ayslane Costa.

“Existem assimetrias na precificação do crédito para mulheres empreendedoras, mesmo com negócios bem organizados. Os critérios usados pelos bancos nem sempre capturam o real potencial desses empreendimentos. Apresentar uma documentação robusta, com fluxo de caixa, contratos e histórico de adimplência, pode ajudar a reduzir a percepção de risco e conquistar condições melhores de financiamento”, acrescenta.

A desigualdade também se reflete nas taxas aplicadas. Segundo dados do Sebrae, os financiamentos para mulheres à frente de pequenos negócios são, em média, 3,8% mais caros do que os destinados a homens. Ayslane recomenda buscar alternativas. “É fundamental recorrer a instituições como cooperativas e fintechs, e avaliar linhas com garantias complementares, como o Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (FAMPE)”.

Para Valquíria, o cenário tende a se agravar com a Selic em 15%. “É uma taxa de juros abusiva, justificada por uma inflação que não é de demanda, mas de custo. Isso prejudica o empreendedorismo feminino e afasta ainda mais as mulheres do crédito necessário para crescer”.

Ela defende políticas públicas mais eficazes e sensíveis à realidade feminina. “É preciso instruir essas mulheres, fomentar educação financeira e criar linhas de crédito específicas com taxas mais acessíveis. Se quase metade dos lares são chefiados por mulheres, o crédito precisa acompanhá-las”, conclui.