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“Para que um ato como AI-5 fosse editado, uma série de ações centralizadoras já deveria estar em vigor”

Recentemente, o deputado federal e filho do atual presidente da República, Eduardo Bolsonaro (PSL), disse, durante entrevista à jornalista Leda Nagle, que se a esquerda “radicalizar” no Brasil, uma das respostas do governo poderá ser “via um novo AI-5”. A declaração aconteceu durante um posicionamento sobre os protestos de rua que estão ocorrendo em outros países da América Latina.

Mas, você sabe o que foi o AI-5? Para entender melhor o tema, o Edição do Brasil conversou com Adriano Cerqueira (foto). Ele é doutor em história, mestre em ciência política, diretor de GIGA Instituto de Pesquisa e professor do Ibmec.

O que foi o AI-5?
Foi um Ato Institucional, publicado em 13 de dezembro de 1968. Era um recurso legal produzido pelo regime militar vigente. O AI-5 foi o mais famoso porque, na prática, retirou uma série de direitos civis, como a suspensão de habeas corpus, censura nos meios de comunicação, destituição de parlamentares por parte do Executivo, intervenção em estados, cassação de direitos políticos, entre outras medidas excepcionais com caráter arbitrário.

Qual é o contexto histórico desse ato?
O ano de 1968 foi de acirramento no embate político do país, incluindo parlamentares que enfrentavam o governo do general Costa e Silva. Havia muitos protestos de ruas, envolvendo estudantes e sindicatos, greves foram decretadas e as ações violentas de contestação do regime militar já estavam acontecendo com maior repercussão. Esse clima de forte enfrentamento fortaleceu a ala mais linha dura do regime militar e o AI-5 foi uma das várias ações promovidas por esse grupo.

Quais foram as principais consequências práticas?
O aumento da censura, repressão política e cassação de mandatos de deputados (ainda em dezembro de 1968, 11 parlamentares federais foram cassados por meio do AI-5). O fortalecimento da ala linha dura do regime militar deu combustível para a oposição mais violenta e os anos seguintes foram de muitos enfrentamentos entre grupos armados e as forças militares, além de ações como sequestros e atentados violentos contra civis e militares.

Como era a Constituição na época do AI-5?
Era feita ainda no regime militar e foi promulgada em 24 de janeiro de 1967. Ela adotou a eleição indireta para presidente da República, por meio de Colégio Eleitoral formado pelos integrantes do Congresso e delegados indicados pelas Assembleias Legislativas. E essa Constituição poderia ser alterada pelo dispositivo do Ato Institucional, como o AI-5.

Esse tipo de manobra constitucional poderia ser implementada atualmente?
A probabilidade é quase zero, pois a Constituição em vigor dividiu os poderes da República e os atos do Executivo são passíveis de revisão e até cancelamento por poderes como o Legislativo e o Judiciário. Além disso, há o poder do Ministério Público, instância responsável pelas investigações criminais e que é separado dos demais poderes. Para que um ato similar ao AI-5 fosse editado hoje, uma série de ações legais e constitucionais centralizadoras em favor do poder Executivo deveriam já estar em vigor. Mas, pelo contrário, o ambiente político atual indica um caminho inverso, com os poderes republicanos reivindicando sua autonomia e capacidade de atuação.

A nossa democracia ainda é recente. Podemos considerar que seria possível a volta da ditadura?
No contexto atual, essa possibilidade é remota. Não há ambiente político para isso, nem há liderança ou partido, com o mínimo de capacidade de atuação, reivindicando uma ditadura, seja de direita ou de esquerda. Sempre haverá os extremistas, mas eles ainda são insignificantes.

Eduardo Bolsonaro pode sofrer algum tipo de punição?
Em termos legais, sim, mas essa punição seria motivada muito mais por uma questão política que propriamente legal. Ainda não está claro que há essa disposição de punição por parte das autoridades envolvidas, principalmente as lideranças do Congresso.

Ele pode perder o mandato?
Em tese sim, mas mesmo nesse caso ele poderá recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral e, também, se for necessário, ao Supremo Tribunal Federal. Entretanto, será muito improvável cassar um mandato no Brasil só porque se defende a ditadura. Se isso fosse feito, no caso para Eduardo Bolsonaro, se abriria um precedente contra muitos parlamentares que apoiam regimes ditatoriais, como o de Cuba, por exemplo.


Reações:

A fala de Eduardo Bolsonaro repercutiu negativamente em todos os setores da política. Pessoas como Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara dos Deputados; Davi Alcolumbre (DEM), presidente do Senado; além de representantes da esquerda e do próprio partido criticaram o que o deputado disse. Além da classe política, representantes de juízes federais, membros do Ministério Público Federal (MPF) e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também se manifestaram contra o posicionamento do parlamentar.