Há exatamente 6 anos, no dia 7 de abril de 2011, todos os brasileiros ficaram chocados com uma notícia assustadora: Wellington Menezes de Oliveira, 23, invadiu uma escola, em Realengo, no Rio de Janeiro, por volta das 8h30 da manhã e atirou contra várias crianças,12 delas morreram. Após ser encurralado por policiais, ele tirou a própria vida. O motivo do crime é incerto, porém, em uma carta deixada por ele e testemunhos de conhecidos afirmaram que Wellington era vítima de bullying. Por isso, no ano passado, foi instituída a data como o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola.
Estima-se que 20% dos adolescentes brasileiros tenham sofrido bullying. E que mais da metade deles não fazem ideia do motivo. Outro dado diz que um a cada cinco jovens confessaram já ter sido agressores, ou seja, cometido a violência contra um colega. O principal motivo para a prática, de acordo com 15,6% das vítimas, é a aparência física.
Recentemente, o Netflix lançou o seriado “Os 13 porquês”. Hannah Baker, após sofrer bullying no colégio, comete suicídio. Mas, ela deixa gravada 13 fitas direcionadas para um grupo de pessoas que são, em sua maioria, os responsáveis pelas agressões. O seriado trouxe à tona novamente a discussão e um questionamento: Por que o bullying é uma realidade tão presente no cotidiano?
A lei 13.185, sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff, já está em vigor. Ela obriga escolas e clubes a adotarem medidas de prevenção e combate ao bullying. De acordo com o professor do Departamento de Ciências Aplicadas à Educação da UFMG, Walter Ude Marques, esse ainda é um desafio, pois o currículo proposto pelo Ministério da Educação é muito técnico. Para ele, isso dificulta o processo de reflexão dos alunos acerca de temas delicados da sociedade.
O que é bullying?
Essa pergunta é complexa. Eu posso explicar o conceito da palavra. Bullying é um termo, criado na Inglaterra, que conceitua formas de violência que produzem sentimentos de humilhação, constrangimento e trazem sofrimento psíquico e até físicos. Mas, na minha opinião, utilizar o termo bullying confunde as pessoas porque explica tudo e, ao mesmo tempo, nada. Eu prefiro a reflexão: qual o motivo por trás da agressão? Eu acredito ser importante deixar isso claro, porque nós, da área da ciência, sempre colocamos que o conhecimento é um ato de distinção, ou seja, para produzir conhecimento, você precisa saber distinguir as coisas. Não podemos tratar todos os tipos de violências e preconceitos como uma só, porque tudo é chamado de bullying.
Qual a importância de se discutir o tema?
Nós vivemos em uma sociedade extremamente punitiva. Mas, um bom educador, dentro da sala de aula, vendo que um dos seus alunos está sofrendo a agressão, não deve simplesmente denunciar o agressor. Às vezes, isso nem adianta. O que deve ser feito é um debate acerca do assunto e discutir as diferenças. Ressaltar que é importante ter tolerância e respeito. É fazer aquela pessoa refletir do mal que está causando para o próximo e para si mesma.
A pessoa que pratica bullying, é um agressor ou apenas mais uma vítima?
Essa é uma pergunta interessante porque trata-se de uma relação ambígua. O agressor produz a vítima que origina o agressor. No fundo, todos vivemos em uma sociedade violenta. E acaba que não existe reflexões, movimentos sociais e discussões para que esse quadro mude. Isso faz com que as pessoas reproduzam tudo isso naquele que é oprimido.
Afinal, todos carregamos um opressor dentro de nós. Como diria Paulo Freire: “Somos oprimidos que oprimem”. Por isso, torno a ressaltar que é importante fazer uma reflexão diante da violência. O agressor também é uma vítima, ele aprende um modo de se relacionar, de conviver, tratando alguns grupos de maneira diferente porque, em alguns casos, ele também já foi vítima de bullying.
O bullying é praticado apenas em âmbito escolar ou o local é o que menos importa?
Qualquer um está sujeito a ser agressor e agredido. No trabalho, em casa, em lugares públicos etc, principalmente em nossa cultura, que é machista, homofóbica e racista na maioria das vezes. Mas, o conceito de bullying diz que deve ser uma violência recorrente e repetitiva.
Quais podem ser os efeitos no bullying na vida de uma pessoa?
Inúmeros. A violência traz muito sofrimento a vítima. Há histórico de pessoas que abondaram a escola, que tem dificuldade de criar uma relação afetiva, constituir família ou, até mesmo, trabalhar porque sofreu muita humilhação, ofensa, violências psicológicas e ouviu palavras e termos ofensivos.
Qual poderia ser a saída para esse problema?
Reflexão. Antes a violência não era um tema discutido na sociedade, muito pelo contrário, ela era quase invisível. Hoje, isso já mudou. Ela se tornou uma preocupação social. É importante tratar o assunto como projeto de lei, mas, ainda é preciso refletir. As nossas escolas ainda são muito conteudistas. O professor recebe um programa, do Ministério da Educação e ele tem uma meta para transmitir aquele conteúdo. Consequentemente, tudo fora disso, que são as coisas que acontecem no dia a dia, não é abordado.
Muitos professores não se preocupam com os conflitos. Se tornam um técnico na educação quando deveriam ser um educador, porque é ele que vai transformar toda a polêmica em um momento educativo. Não é só pegar o agressor e entregar para o guarda municipal, conselho tutelar etc. Muitos desses conflitos podem, e devem, ser trabalhados dentro de aula. A punição não vai mudar o procedimento do bullying e nem diminuir a violência. É preciso saber das relações, do dia a dia e da educação do agressor e, com base nisso, agir de uma forma que o faça refletir que a prática é errada.