Afinal, a escola deve ou não falar sobre sexualidade com as crianças e adolescentes? Esse é um assunto que tem dividido opiniões. Para alguns, falar é de suma importância, pois orienta os alunos acerca de inúmeras questões como prevenção às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). Já outros, acreditam que o conteúdo pode influenciar a iniciação sexual precoce.
Para entender melhor a influência que o tema pode ter sobre esse grupo, o Edição do Brasil conversou com a professora do curso de Psicologia da Newton Paiva, Margaret Pires (foto). Ela é doutora em Educação pela UFMG, membro da Escola Brasileira de Psicanálise-Seção Minas Gerais e autora do livro “O fracasso escolar e a família: o que a clínica ensina?”.
Devemos falar sobre sexualidade com as crianças e adolescentes?
Trata-se de um tema que traz inquietações. Nas crianças, causa curiosidade, o que é bastante natural. E para os adolescentes gira em torno da possibilidade do encontro sexual. É um assunto que, nessa idade, pode causar angústia. No entanto, é importante ser esclarecido para que se construa soluções adequadas e interessantes para cada um.
E não falar pode trazer alguma consequência?
Muitas. As dúvidas serão mantidas e, assim, eles tentarão buscar as respostas de outras maneiras e em fontes nem sempre seguras. Principalmente, os adolescentes que podem tentar colocar em prática o que acham que sabem, mas isso pode ser perigoso. Se eles não podem conversar com os adultos, que já tem alguma experiência, correm riscos.
Existe uma idade adequada para começar a tratar do tema?
Na medida que eles queiram saber. Com o passar da idade, há uma demanda de inúmeras dúvidas e aí é hora de esclarecer. É importante responder conforme surjam as perguntas, nunca além, mesmo porque eles não irão assimilar. A informação tem que ser adequada à idade de cada um.
Esse assunto divide opiniões porque muitos pais acham que isso vai estimular precocemente a criança à vida sexual, isso pode acontecer?
Falar sobre a sexualidade não é incentivar o ato, mas o contrário. A medida que você discute o tema, diminui a possibilidade da prática, principalmente a perigosa. Conversar e auxiliar as crianças e adolescentes em suas inquietações, esclarecer como as orientações ocorrem, não conduz e nem incentiva ninguém a tornar-se homossexual ou heterossexual. Essas questões não estão ligadas. Mas, por outro lado, permite que aquele que esteja com dúvidas encontre seu lugar e decida, de forma segura, a maneira de se comportar futuramente.
É obrigação da escola ou da família falar sobre sexualidade?
Ambos têm suas responsabilidades e papéis no esclarecimento do assunto. Contudo, a escola passa a ser um ótimo lugar de escuta, pois é onde eles se sentem mais à vontade para fazer perguntas que não fariam aos pais ou responsáveis. Além disso, pode haver um diálogo com pessoas da mesma idade, com a mediação do professor que percebe outras crianças ou adolescentes com pontos de vistas diferentes ou semelhantes.
E como a escola deve abordar a questão?
Com os menores, de forma lúdica. Atividades corporais, que mostrem as diferenças e contos que falem de relações. Já com os adolescentes, por meio do conhecimento científico ou literatura, ambos podem fornecer informações interessantes e pertinentes.
As instituições estão preparadas para educar também nessa área?
Sempre foi difícil falar sobre esse assunto. E ele, de fato, não é simples. Envolve conflitos pessoais com a família, valores éticos, morais e religiosos. É sempre um tabu. Mas, hoje, as escolas estão cada vez mais preparadas para tratar do tema sexualidade, principalmente, porque estão sendo mais demandadas.
Como a chegada da tecnologia e o fato da criança ser exposta a tanta coisa pode influenciá-la?
A tecnologia prolifera os temas. Ela pode ser perigosa, porque é difícil controlar o acesso à informação, então, o que não é esclarecido com os pais ou na escola, é encontrado na internet. Porém, não necessariamente da forma adequada. É importante o diálogo para sanar as inquietações. Ninguém deve ficar à mercê do conteúdo online.
O “kit gay” tem gerado polêmica nos últimos dias. Qual a importância de falar sobre esse tema e como isso reflete no entendimento das crianças acerca do que é considerado diferente perante à sociedade?
A cartilha ficou conhecida como “kit gay” e essa já é uma forma pejorativa de falar sobre ela. Na verdade, era uma tentativa de trazer uma discussão sobre a diversidade sexual e a importância de respeitar o diferente, além de uma educação de gênero e diferença entre homens e mulheres. É essencial que, desde cedo, as crianças entendam o processo de tornar-se homem ou mulher e que isso é um trabalho complexo ao longo da vida.