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Sumiço de ritalina nas farmácias escancara excesso do uso da “droga da concentração”

No meio dos vestibulandos, concurseiros e estudantes em períodos letivos exigentes, ela é mais conhecida como “milagre da concentração”, nas farmácias é encontrada pelo nome de ritalina ou metilfenidato. A substância é originalmente prescrita para portadores de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Apesar de ser um medicamento tarja preta, quem quer, tem fácil acesso a droga e a promessa de concentração atrai quem precisa cumprir longas jornadas sem perder o foco. Mas tanto os pacientes quanto os que se automedicam têm tido um problema em comum: o fármaco está em falta nas farmácias brasileiras.

Nos últimos meses, houve um momento significativo de reclamações sobre a falta do remédio nas farmácias em páginas como o Reclame Aqui. Das 1.695 reclamações registradas, 1.061 são sobre a falta do produto, o que levou a droga ser a mais buscada no site neste ano. Há relatos da falta do medicamento tanto na rede pública quando nas farmácias das cidades, que parece ter afetado todo o país. A maior parte das queixas foram feitas por consumidores de São Paulo (24%), Minas Gerais (14%), Rio Grande do Sul (14%), Rio de Janeiro (10%) e Paraná (7%), respectivamente.

Um “up” no dia a dia

“A ritalina foi desenvolvida para pessoas que têm TDAH, um transtorno que afeta 3% da população mundial, e que atua diretamente nos neurotransmissores capazes de regular a atenção e controlar a impulsividade das pessoas com esse diagnóstico”, explica o psicólogo Vitor Friary.

Segundo Friary, em pessoas que não têm TDAH, alguns efeitos colaterais podem se manifestar, entre eles: agressividade, irritabilidade, insônia, emoções “à flor da pele” e a longo prazo, dependência para realizar atividades de concentração.

Perda da qualidade de sono foi o efeito que o farmacêutico Hudson Vargas, 24, sentiu após fazer uso de 10mg do fármaco durante 5 dias, quando ainda era estudante no 9º período da faculdade. “Estava com vários trabalhos para entregar, com o pré-projeto de TCC e estágios. Dormia, em média, 4h por noite. Ganhei mais disposição para atividades, principalmente, na sensação de alerta”.

Segundo o farmacêutico, era de conhecimento do seu meio acadêmico os efeitos da droga. “Foi uma automedicação pelos conhecimentos que tinha do medicamento e de colegas que já faziam uso sob prescrição, durante o período da faculdade, e obtinham rendimento melhor. A ritalina era um ‘up’ para realizar essas atividades diárias”, diz.

Diferente do “up” procurado por Vargas, a estudante Brunna Ferreira, 24, toma ritalina 6 vezes ao dia há 4 anos, sob receita médica, para desacelerar. “O TDAH faz com que eu quase nunca preste atenção ao meu redor, desde dirigir até estudar. Com o remédio, consigo me focar nas coisas. Nunca tive efeitos colaterais, desde o início me adaptei bem ao medicamento”, conta.

A estudante tem tido dificuldade para comprar o remédio desde maio. “Inclusive, vou ao psiquiatra para avaliar a possibilidade de mudarmos a receita. A Novartis não é muito clara sobre o ‘sumiço’ da ritalina do mercado e não quero ficar refém da sorte em encontrar para comprar, afinal eu preciso”, relata. Segundo ela, é comum que as pessoas peçam pelo medicamento. “Sempre me pedem para usar por conta própria! Sempre mesmo”.

De acordo com Friary, dependendo da dosagem, o efeito pode ser imediato e costuma durar até 4 horas. Graças a fama, a ritalina ganhou público no mercado negro. “Muitas pessoas utilizam ela como uma alternativa de droga ativa inalada, como a cocaína, por exemplo. A pessoa se sente mais confiante porque o teor de dependência é alto, por isso é tão perigosa quanto a cocaína”, compara o psicólogo.

Grande demanda

O laboratório Novartis, fabricante da ritalina e da ritalina LA no Brasil, disse que o abastecimento de ambas as substâncias foi reestabelecido durante o mês de agosto e que a normalização deve ser estabelecida no fim de outubro.

“Ritalina é um medicamento com importação de seu princípio ativo e a ritalina LA é um medicamento importado. O desabastecimento de curto prazo foi gerado por vários motivos, incluindo uma demanda maior do medicamento do que a prevista, impossibilitando uma reação rápida. Somado a esse fato, a aprovação da cota de importação regulamentar e processo de importação do produto levou um tempo maior do que o planejado”, relatou a empresa por nota.