De acordo com estatística do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), analisando dados de janeiro de 2019 a outubro de 2023, de cada 100 crianças em guarda provisória de processo de adoção no Brasil, aproximadamente oito tiveram o processo desfeito. Isso representa 1.666 crianças. Dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), contabilizaram 21.080 crianças e jovens em processo de guarda provisória desde 2019. Ou seja, o percentual de interrupções foi 7,9%.
O levantamento do CNJ também contabilizou casos de reversões que aconteceram depois de a adoção ter se tornado definitiva. Foram 139 registros em um universo de 17.946 (0,8%). Para discutir o assunto, o Edição do Brasil conversou com Luiza Simonetti (foto), advogada familiarista e vice-presidente nacional da comissão de adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
Quais as principais razões que os processos de adoção não se concretizam?
O mau resultado em uma adoção não se dá por um motivo exclusivamente. Há a falta de preparo das famílias, das crianças, omissão de informações que geram incompatibilidade nos perfis, questões jurídicas supervenientes, para cada situação cabe implicar um responsável diferente e reparação.
Qual é o impacto psicológico desse desfazimento tanto para a criança quanto para as famílias envolvidas?
O impacto psicológico depende da causa do desfazimento da adoção. Quando as crianças ou adolescentes não se conectam emocionalmente com a família de origem, nesses casos é um alívio voltar para o abrigo. Contudo, quando parte unilateralmente dos adotantes não se conectam às crianças e desistem do processo, há revitimização do abandono e aumento da desconfiança para nova tentativa de adoção.
Quais são as possíveis consequências jurídicas para as famílias adotivas e para as crianças quando o processo de adoção é desfeito?
Primeiramente, as famílias são excluídas do cadastro. Uma vez tornadas inaptas, dificilmente conseguirão voltar a adotar. Além disso, há a possibilidade indenizatória se comprovada a responsabilidade exclusiva do adotante para o desfazimento do processo.
Como as políticas públicas podem melhorar a formação de famílias adotivas e garantir que a criança permaneça em um ambiente seguro e estável?
A melhor política pública é a assistência social atuante e fomentada de recursos para manter as crianças e adolescentes em segurança junto às suas famílias de origem. O sistema não garante que a mãe em vulnerabilidade financeira não tenha seus filhos retirados de seus cuidados pela situação de miséria, ainda que a lei diga o contrário. A maior parte das causas de acolhimento institucional derivam da situação de pobreza extrema em que as famílias se encontram. A falta de educação, moradia, higiene, dependência química e alcoólica, levam as crianças aos abrigos e essas famílias vulneráveis não reúnem condições de, em um curto espaço de tempo, reverter isso para ter seus filhos de volta.
É necessário um acompanhamento pós-adoção mais robusto para evitar que o processo seja desfeito?
O pós-adoção é tão ou mais importante que o pré-adoção. Temos Grupos de Apoio à Adoção (GAA) espalhados por todo o Brasil encarregados dessa doulagem afetiva. Só depois da fase inicial que os desafios se mostram aparentes e as famílias realmente precisam de ajuda.
Como o desfechamento de processos impacta a percepção pública sobre o sistema de adoção no Brasil?
Podemos dizer que a adoção no Brasil quando tem que dar certo flui muito bem desde os primeiros passos de todo o trâmite legal. Cabem aos entes envolvidos no processo esgotarem seu repertório de ações em prol do sucesso de cada solicitação. Se em algum momento a adoção der errado, certamente, haverá outras providências para cada caso concreto.