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Estudo inédito mostra precarização de trabalhadores em plataformas digitais

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que, no setor privado, a população ocupada de 14 anos ou mais de idade somou 87,2 milhões de pessoas no quarto trimestre do ano passado. Deste total, cerca de 2,1 milhões realizavam trabalhos por meio de plataformas digitais, sendo 1,5 milhão (ou 1,7% da população ocupada no setor privado) por meio de aplicativos de serviços e, 628 mil, nas plataformas de comércio eletrônico.

O trabalho principal por meio de aplicativos de transporte de passageiros, em ao menos um dos dois tipos analisados de táxi ou excluindo táxi, alcançou 52,2%, ou 778 mil, do total de trabalhadores de plataformas. Nos aplicativos de entrega de comida ou produtos trabalhavam 39,5%, ou 589 mil. Já os trabalhadores de aplicativos de prestação de serviços gerais ou profissionais representavam 13,2%, ou 197 mil.

O levantamento também mostrou que a renda média dos trabalhadores por aplicativos é ligeiramente maior do que a média geral, uma diferença de R$ 2.645 para R$ 2.513 mensais. Esta vantagem, no entanto, se anula quando analisado que quem trabalha para plataformas digitais tem uma carga horária semanal média de 46 horas comparada a uma de 39,6 horas dos demais. Mostrando um ganho pequeno para uma rotina maior e mais desgastante.

Outro destaque deste panorama é que, na comparação ao total de ocupados no setor privado, os plataformizados contam com menos trabalhadores contribuindo para a previdência (35,7% contra 60,8%). Também, os motoristas de aplicativos de transporte de passageiros (incluindo táxi) e os entregadores por aplicativos tinham alto grau de dependência das plataformas: 97,3% e 84,3%, respectivamente, afirmaram ser o aplicativo que determina o valor a ser recebido em cada tarefa realizada e para 87,2% dos motoristas e 85,3% dos entregadores, o aplicativo determina os clientes a serem atendidos.

Segundo a advogada trabalhista Marcela Diniz, a pesquisa mostra a precarização do trabalho nos tempos atuais. “Eles enfrentam jornadas mais elevadas do que a dos trabalhadores não plataformizados; nenhum direito básico trabalhista (férias, 13º salário, horário de almoço); falta de acesso à seguridade social (aposentadoria, licença médica); uso do rendimento próprio para custear meios de trabalho (planos de internet, manutenção de carros e motos) e forte controle das plataformas sobre a execução do trabalho (bônus, punições, controle das tarifas)”.

O estudo se aprofundou na questão da renda ao fazer um balanço comparando os trabalhadores por aplicativo e os demais com curso superior. Este recorte mostra que, entre as pessoas com graduação completa, os plataformizados recebem, em média, R$ 4.319 mensais, enquanto no mercado privado de forma geral os vencimentos estão na casa dos R$ 5.348. O resultado sugere que, para quem tem uma escolaridade mais alta, a alternativa de trabalhar via aplicativos não é tão vantajosa quanto atuar na área em que se preparou para estar.

Marcela conta que quem se qualificou espera encontrar trabalhos que pagarão de acordo, mas a crise no mercado muitas vezes faz com que eles tenham que buscar outra alternativa de renda. “Se o indivíduo não encontra trabalho, ele irá se submeter a plataforma que vai dar uma renda menor do que ele poderia ganhar. Temos de pensar em uma sociedade em que o trabalho volte a ter centralidade, torne-se um fator de sociabilidade e de organização social; e não seja meramente uma estratégia instrumental de as pessoas poderem ter dinheiro para sobreviver e pagar contas”.

A região com maior percentual foi o Sudeste (2,2%), com 57,9%, ou 862 mil pessoas, do total de trabalhadores plataformizados, conforme denomina o IBGE essa parcela do mercado de trabalho. Segundo o levantamento, nas outras regiões, o percentual de pessoas ocupadas que realizavam trabalho por meio de aplicativos de serviços ficou entre 1,3% e 1,4%.

Outro ponto que mostra uma discrepância dentro do mercado de trabalho por plataformas digitais diz respeito ao gênero. Enquanto entre os empregos privados de uma forma geral há uma ligeira maioria masculina de 59,1%, nos aplicativos, a presença de homens representa 81,3%.

Para a advogada, a pesquisa traz uma grande colaboração para o debate público sobre a regulamentação do trabalho em plataformas digitais, inclusive do ponto de vista previdenciário. “Ela contribui para vários segmentos. Para o avanço da pesquisa científica em torno do trabalho em plataformas digitais e também para subsidiar os magistrados na tomada das suas decisões e o próprio Ministério Público na elaboração de políticas públicas e de defesa das suas ações”.