“Um ano que deixará muitas cicatrizes ainda”. É assim que o professor de administração e comércio exterior Leandro Silva avalia 2020. Os números que embasam sua conclusão são da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Segundo o levantamento da entidade, 75,2 mil estabelecimentos comerciais com vínculos empregatícios fecharam as portas no Brasil no primeiro ano da pandemia da COVID-19. O índice foi calculado a partir da diferença entre o total de abertura e de fechamento das lojas.
Ainda de acordo com o estudo, esta é a pior retração na quantidade de fechamentos de lojas desde 2016, quando 105,3 mil encerraram suas atividades na maior recessão da história recente do país. As micro e pequenas empresas responderam por 98,8% dos pontos comerciais fechados no ano passado. Todas as unidades da federação registraram saldos negativos, mas os estados mais impactados estão no Sudeste: São Paulo (20,30 mil lojas), Minas Gerais (9,55 mil) e Rio de Janeiro (6,04 mil).
Apesar do alto número de empresas fechadas, as vendas no varejo tiveram queda de apenas 1,5%. Esse percentual, segundo a CNC, foi menor do que o esperado para um momento crítico. O fortalecimento do comércio eletrônico e o benefício do auxílio emergencial são apontados como os principais fatores que permitiram que o brasileiro pudesse manter algum nível de consumo na pandemia.
“O comércio digital, sob a ótica teórica, é uma modalidade que possibilita o empresário a vender mais. A questão é que o e-commerce requer mais investimentos em infraestrutura e publicidade, ou seja, para o pequeno comerciante é muito caro participar do ambiente digital”, avalia o professor.
A crise também afetou o nível de ocupação no comércio: 25,7 mil vagas formais foram perdidas em 2020. Na análise de Silva, a ascensão das lojas digitais em detrimento das físicas, não diminui o número de contratações, mas muda o perfil do contratado.
“Diferentemente de uma loja física em que é preciso contratar gerente, vendedores e faxineira, no comércio eletrônico é necessário mais pessoas. Uma compra on-line exige um grande processo de logística. O que vejo é que um estabelecimento que tem apelo digital, muda o foco do tipo de funcionário contratado. Ele deixa de admitir o indivíduo com menor grau de instrução e passa a empregar aquele com maior formação ou com alguma expertise específica. Por exemplo, nunca se contratou tantos profissionais de marketing e publicidade para cuidar das mídias sociais de uma empresa. Isso reflete em lojas mais enxutas e menores, que têm um custo operacional fixo mais barato, especialmente em aluguel, de modo que ela consegue sobreviver até que o comércio volte com mais fôlego”, afirma.
Também conforme o levantamento, considerando o nível de ocupação, o ramo mais afetado foi o de vestuário, calçados e acessórios, com queda de 22,29 mil vagas. Na sequência, aparecem os hiper, super e minimercados (14,38 mil) e lojas de utilidades domésticas e eletroeletrônicos (13,31 mil).
“Inevitavelmente, ocorreu uma quebra de alguns setores, como o da moda, já que não vai haver a quantidade de compra de vestuário igual ao período em que saíamos de casa. Portanto, as empresas não faliram por causa do avanço do digital, mas sim porque houve uma retração na demanda de certos segmentos, o que fez com que vários não conseguissem se sustentar durante muito tempo. Em teoria, toda empresa deve possuir capital de giro, mas sabemos que a maioria delas não têm caixa para se manter por tantos meses trabalhando com recebimento abaixo do que custa”, ressalta Silva.
E 2021?
Diante deste cenário, a CNC apontou três projeções para o comércio neste ano. No caso do índice de isolamento social cair cinco pontos percentuais até o fim de 2021, em relação a dezembro de 2019, as vendas avançariam 5,9% e o setor seria capaz de reabrir 16,7 mil novos pontos de venda.
Em um panorama mais otimista, o isolamento retornaria aos níveis pré-pandemia (30% da população) e o volume de vendas cresceria 8,7%, resultando em 29,8 mil estabelecimentos com vínculos empregatícios abertos em 2021. Por fim, em quadro mais pessimista, no qual o confinamento da população se mantivesse abaixo do patamar observado em dezembro, o saldo entre abertura e fechamento de lojas seria de 9,1 mil unidades abertas.
Silva discorda das projeções apresentadas. “Particularmente, analisando os números, acredito que o cenário pessimista da CNC já é muito otimista. Diante dos dados que temos hoje, acredito que em curto prazo vamos manter um panorama de esperança, de que a vacinação avance de maneira rápida e consolidada. Entretanto, em longo prazo, caso essa possibilidade não aconteça, 2021 pode ser um ano com índice de fechamentos muito maior que o do ano passado. É nítido que, no lugar de alinhamento, nós tivemos um antagonismo entre os governos federal, estadual e municipal. Isso gerou uma insegurança gigante em termos de investimentos e trouxe uma série de problemas para o comércio, setor que mais sentiu a crise. Defendo que o auxílio emergencial foi importante, mas foram gastos cerca de US$ 61 bilhões. Se pelo menos metade desse valor tivesse sido empregado em aquisição de vacinas e entrássemos em 2021 com uma imunização maciça e com a economia voltando, certamente nossa realidade estaria melhor”, lamenta.