Adaptabilidade parece ser a palavra que norteará as relações de trabalho no futuro. Segundo o relatório The Future of Jobs 2020, divulgado em novembro do ano passado pelo Fórum Econômico Mundial (FEM), o aumento no número de pessoas desempregadas é preocupante: pela primeira vez nos últimos anos, a quantidade de contratações é inferior ao de demissões. No Brasil, a previsão de economistas é que a taxa de desocupados passe 14,6% e alcance 17% ainda neste primeiro semestre.
Para tentar entender esse cenário de constantes mudanças, o Edição do Brasil conversou com Elton Schneider, administrador e diretor da Escola Superior de Negócios da Uninter, sobre o surgimento de novas profissões, a extinção de algumas e a adaptação de profissionais a novas realidades do mercado de trabalho.
Quais são as principais preocupações expostas no relatório The Future of Jobs do FEM?
O relatório traz uma série de análises interessantes sobre a combinação de eventos vivenciados por nós. Estamos em pleno processo de transformação digital, que teve início por volta do ano 2000, ganhou força no período de 2015 a 2020 e explodiu com a pandemia em 2020. A COVID-19 forçou a sociedade como um todo a ter uma nova forma de vida, isolada, tecnológica, impactada pelo medo da doença, por serviços na área de saúde que não funcionam e por ações ineficientes do poder público. Tudo isso numa recessão econômica aguda, elevando os índices de desemprego, afetando a mão-de-obra mais desqualificada e que vai ter maiores problemas para voltar ao mercado de trabalho no futuro. Áreas como comércio, serviços, turismo, hotelaria são vistos como grandes fontes de primeiro emprego, que geram renda e possibilidade das classes mais baixas conseguirem estudar para mudar de vida e ter uma ocupação melhor. E são exatamente as atividades econômicas mais impactadas no momento atual. Existe uma expectativa de que isso pode atrasar o desenvolvimento e a ascensão dos menos favorecidos em até 10 anos.
Como você enxerga o futuro do trabalho pós-pandemia?
De acordo com os dados do relatório, teremos quatro grandes grupos de trabalhadores: essenciais, remotos, deslocados e redundantes. Os essenciais são os entregadores, enfermeiros, coletores de lixo, profissionais da saúde, de supermercados, da agricultura e da indústria, que continuarão suas atividades normalmente e, em alguns casos, como na saúde, até com maior intensidade. A segunda categoria é aquela que pode trabalhar remotamente e que terá a probabilidade de manter seus empregos. Os chamados deslocados são os que se afastaram das suas funções em curto prazo e, potencialmente, no futuro. E, além disso, caíram desproporcionalmente nos setores mais afetados pela pandemia, como comércio e serviços, hospitalidade, varejo e turismo. Os redundantes são os que terão a formação impactada pela transformação digital. Ser professor vai exigir a necessidade de saber utilizar tecnologias para realizar aulas on-line, ser médico implica em fazer cirurgias robotizadas, ser um bom gerente de marketing significa dominar mídias sociais.
Sempre há um receio sobre a extinção de determinadas profissões. Alguns cargos correm o risco de desaparecer?
É preciso tomar cuidado para não matar determinadas atividades. Não precisaremos mais de advogados, contadores? As empresas não contratarão mais pessoas com curso superior? Isso não é verdade. As instituições de ensino superior, no Brasil e no mundo, são as grandes responsáveis pela introdução de novos profissionais no mercado de trabalho, os quais possibilitaram o atual estágio de desenvolvimento tecnológico que estamos vivendo. São engenheiros que automatizam processos, analistas de sistemas que desenvolvem inteligência artificial, etc.
O relatório do FEM aponta que até 2030 teremos 85 milhões de vagas de emprego a menos em algumas ocupações, mas, por outro lado serão criados 95 milhões de novos empregos no mesmo período, ou seja, precisaremos de 10 milhões de novos profissionais no período. O que preocupa é o processo de formação destes indivíduos, que serão certamente bem diferenciados dos que temos hoje.
Dos cargos que devem desaparecer podemos citar, por exemplo, a função de informações ao cliente, funcionários do serviço postal, representante de vendas e atacado, gerentes de relacionamento, caixas de banco e funcionários relacionados. Na categoria de novos empregos ou profissões que precisam de reciclagem existem engenheiro de plataforma, cloud engineer, consultor de nuvem, coordenador de mídia social, produtor de conteúdo, especialista em inteligência artificial, cientista de dados e dezenas de outros.
Quem terá mais dificuldades de se adaptar à era digital: empresas ou funcionários?
Ambos. Acredito que em alguns poucos ramos de atividade possuiremos empresas totalmente remotas. Mas, na maioria dos casos, teremos corporações híbridas, uma parte de suas operações será home office, e a outra precisará de atividades presenciais. No caso dos trabalhadores também. Instalações suntuosas e magníficas serão substituídas por espaços colaborativos, com serviços compartilhados, ambientes para reuniões de trabalho e até mesmo em videoconferência com outros grupos de pessoas. Sobre os desafios para que isso se concretize, citaria o desenvolvimento de tecnologias adequadas, automatização de processos, enfrentar uma legislação despreparada para esta realidade e lidar com novas doenças do trabalho.
Qual é o perfil do trabalhador do futuro?
A mudança global no futuro do trabalho será definida por um grupo cada vez maior de novas tecnologias, setores e mercados, por sistemas econômicos globais que serão mais interconectados do que em qualquer outro ponto da história e por informações que viajam rápido e se espalham amplamente. As habilidades valorizadas em um profissional no futuro serão pensamento analítico e crítico, aprendizagem ativa, resolução de problemas complexos, criatividade, originalidade, resiliência, tolerância ao estresse, inteligência emocional, solução de problemas e experiência do usuário e outras. Portanto, ele deve combinar boa formação técnica e humana.