Os especialistas não têm certeza. Alguns dizem que os romanos inventaram o cheque por volta de 352 a.C. O método, que facilitava a movimentação de grandes quantias e diminuía a possibilidade de roubos, seguiu como o preferido das transações de dinheiro por séculos. Em 2018, significa 1% das formas de recebimento de pagamentos mais frequentes, segundo a pesquisa “O brasileiro e sua relação com o dinheiro”, divulgada pelo Banco Central (BC).
A pesquisa, que ouviu dois públicos-alvos diferentes – a população e estabelecimentos comerciais – traz dados atualizados sobre hábitos de uso do dinheiro, que contribuem para o planejamento das ações de meio circulante do BC. “O uso do dinheiro em espécie ainda é muito disseminado no Brasil, mas, assim como em outros países, está aumentando a aceitação de outros meios de pagamento, podendo-se antever um maior equilíbrio na utilização das várias opções disponíveis”, declarou o BC.
Por exemplo, sobre como o brasileiro recebe seu salário. Para 48% da população, o pagamento acontece por meio de depósito/transferência em conta corrente ou poupança, 29% em dinheiro vivo e apenas 0,4% em cheque.
Com o último estudo feito em 2013, alguns dados atuais chamam a atenção. Apesar do dinheiro vivo ainda ser o meio de pagamento mais utilizado pela população (96,1%), 5 anos atrás, a resposta para a mesma pergunta era de 100% para dinheiro em espécie. Na época, 35% dos entrevistados afirmaram usar também o cartão de débito como forma de pagamento. Esse percentual disparou para 52% na pesquisa atualizada.
É o caso do estudante de administração Frederico Mendonça. “Me planejo para ir ao caixa eletrônico o mínimo possível. Saco o suficiente para o gasto no mês em lugares ou serviços que não aceitam cartões, como passagem de ônibus”.
O estudante reforça o percentual de brasileiros que costuma levar menos de R$ 20 no bolso (34%), mesmo percentual (34%) de quem leva até R$ 50 na carteira. Para compras de até R$ 10, 87,9% preferem utilizar dinheiro. Esse índice diminui com pagamentos de maior valor. Para desembolsos de mais de R$ 500, a maior parte (42,6%) prefere cartão de crédito.
Fatia da tecnologia
No comércio, 75,8% dos estabelecimentos aceitam pagamentos no débito e 74,1% no crédito. Apenas 16,3% aceita cheques. Ricardo Soares, comerciante do ramo farmacêutico na região Centro-Sul de BH, sentiu as mudanças diretamente. “Hoje, a nossa compra de mercadoria é feita 90% à vista, as distribuidoras já não dão mais prazo e nem desconto. Já os clientes, 70% pagam no cartão de débito e crédito, chegando a uma porcentagem de 30% para débito e 40% para crédito do faturamento mensal bruto da drogaria. Nem as crianças de 12 anos tem mais mesada, até elas também chegam e pagam valores baixos com cartões”, especifica.
A margem do custo operacional dos cartões é jogada dentro do preço de cada produto, principalmente, nos produtos de perfumaria. “Mas esta é uma margem pequena, quando comparado ao risco de ter dinheiro em caixa. É muito mais fácil perder mais com o dinheiro, por um roubo ou assalto, do que você perder 1,7% do débito e 2,3% do crédito em cada compra”, conta Ricardo.
Os cartões também comem uma fatia do lucro de Danielle Silva, comerciante do ramo alimentício. “O custo do cartão pode afetar meu faturamento em até 10%, considerando que algumas bandeiras de alimentação são muito onerosas, cobram taxas altas sobre a venda, além de taxas de DOC, com reembolso do valor vendido após 30 dias. Se peço esse prazo para um fornecedor, por exemplo, o custo do produto aumenta”, explica.
Na percepção de Guilherme Almeida, economista da Fecomércio MG, instituição que realiza, entre outras, pesquisas sobre meios de pagamento no estado, apesar de existir a intenção do mineiro de consumir à vista, na maioria das vezes, isso não acontece. “O meio de pagamento à vista vai de encontro com a necessidade de sanar o problema do descontrole do mineiro. Porém, vemos que, na maioria dos casos, isso não se concretiza e essa percepção é clara para o empresário. Quando questionado sobre o meio de pagamento mais utilizado, o empresário de Minas sempre aponta a modalidade de cartão de crédito e, preferencialmente, parcelado. Esse é um movimento que começou há muito tempo. Essa migração do papel e da moeda para cartão de plástico é um hábito diário hoje”, avalia Guilherme.
Velhos e futuros hábitos
Em relação às moedas, atualmente, 19,3% da população as guarda por mais de 6 meses, tanto em cofrinhos (22%), quanto em potes improvisados (22%). Além disso, 54% usam o dinheiro guardado para compras e pagamentos e 4% diz não saber, elas simplesmente somem. Atualmente, segundo o BC, há mais de 8 bilhões de moedas fora de circulação no Brasil.
Para Guilherme, esta é uma tendência natural. “Todas essas mudanças foram positivas. Nos últimos anos, houve aprimoramentos que deixaram o processo de pagamento mais transparente. Antes, não sabíamos que tipo de taxa existia em cada tipo de operação, hoje, isso é externalizado. É um passo importante, com adaptações, mas essa é a evolução”.
Para o futuro, o próprio BC admite mudanças. “Ainda não se vislumbra o fim do uso do dinheiro em espécie, mas é possível ver um avanço dos meios de pagamento eletrônicos, com a perspectiva de entrada de outras opções, como os pagamentos por celular. Com base nos dados de hoje, vê-se que no futuro existirão vários tipos de meios de pagamento à disposição da população, muito além do dinheiro em espécie”.