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Brasil registrou 3.853 violações de intolerância religiosa no ano passado

Foto: Pixabay

 

Em 2024, o Brasil teve 3.853 incidentes relacionados à intolerância religiosa, representando um crescimento superior a 80% em comparação aos 2.128 casos registrados em 2023, conforme informações do Disque 100, canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. A umbanda foi a religião que mais sofreu violações, seguida pelo candomblé, ambas de origem africana.

O número de incidentes contra essas religiões mais que dobrou de 2023 para 2024, com o candomblé registrando 214 casos no último ano, em comparação aos 58 de 2023. Já a umbanda passou de 84 para 234 violações no mesmo período. Em 2025, foram reportadas 178 violações, sendo 60 delas no Estado de São Paulo. O Rio de Janeiro vem em segundo lugar, com 21 registros, seguido pela Bahia, com 19 ocorrências. Para discutir o tema, o Edição do Brasil conversou com o diretor de Relações Internacionais da União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro), Alexandre Braga.

 

Como você interpreta esse aumento de 80% nas violações motivadas por intolerância religiosa no ano passado frente a 2023?

Isso está relacionado a um contexto global de ascensão do fascismo, do conservadorismo e do avanço da extrema-direita em vários países. Portanto, ter governos autoritários eleitos pelo voto popular ajuda a proliferar os discursos de ódio, seja nas redes sociais ou nos programas eleitorais. No Brasil, há também um narcopentecostalismo, que tomou conta de vários territórios já fragilizados pela falta de saneamento básico, estrutura cultural e com altas faixas de desemprego. Ele é embrião do surgimento de milícias que passaram a comandar tais territórios aliados aos movimentos evangélicos que estavam em crescimento, como exemplo, no Rio de Janeiro com o Complexo de Israel e o Complexo do Arão.

 

Quais fatores contribuíram para esse avanço significativo de violações?

No contexto do Brasil, os narcotraficantes estão “livres” para agir, pois o aparato estatal não tem disposição e nem têm como prioridade o enfrentamento de fato a esses grupos armados. E, muitas vezes, diversos parlamentares eleitos são ligados a esses grupos ou têm permissão para fazer campanha eleitoral nas regiões dominadas pelo tráfico e benzidas pelas mãos de pastores e líderes religiosos que não têm como meta acabar ou eliminar a situação nos territórios, mas apenas tolerar a prática criminosa para que os negócios religiosos evangélicos continuem sem ser interrompidos.

 

Por que as religiões de matriz africana são os maiores alvos de preconceito?

Porque são doutrinas que não acolhem o modo operativo dos grupos milicianos e também não é a ideologia seguida e pregada pelos “donos” dos territórios e por seus principais mandantes. Ou seja, essa perseguição acaba por refletir a dinâmica de busca pelo poder daqueles que viam os católicos e os macumbeiros como inimigos que poderiam inviabilizar a tomada do poder nas favelas e rincões. E o tráfico viu na subida e na adesão evangélica um possível aliado para dominar os territórios que estavam sendo conquistados pelas doutrinas pentecostais.

 

Há necessidade de que esse tipo de violência deixe de ser encarado como um conflito de valores, crenças e costumes e seja inserido no debate nacional como um problema público?

Sim. Sem aparato estatal não é possível combater tais grupos compostos pelos narcotraficantes, de um lado, e por milicrentes, de outro. Isso significa, então, enfrentamento armado, políticas de inclusão cultural, educacional, de desenvolvimento econômico e uma agenda de substituição da economia da criminalidade pela economia produtiva de base popular, inclusiva e circular nos próprios territórios dominados pelo poder narco. Além disso, os grupos cristãos têm privilégios sobre os demais grupos afros, como a entrada nos presídios para pregar a doutrina evangélica e dar assistência religiosa, coisa que os de matriz africana não possuem.

 

Quais são os próximos passos para combater a intolerância religiosa no Brasil, tanto do ponto de vista jurídico quanto educacional e social?

Ações de redução dos crimes contra o patrimônio que não explore ou que suspenda as práticas de extorsão aos moradores, como a cobrança de taxas, pode ser um poderoso recurso de legitimação que produz e fortalece a confiança e a credibilidade na ação do Estado, além de ações visando gerar emprego e bem-estar social. No geral, os moradores precisam ser consultados no processo de retomada da vida nessas comunidades, a descrença no Estado atrapalha nesse sentido e o medo e o silêncio ajudam na manutenção do problema.