O estudo “Avaliação da Qualidade da Educação Infantil: Um retrato pósBNCC (Base Nacional Comum Curricular)”, feito pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal em parceria com o Itaú Social, mostrou que cerca de 9 em cada dez (89,8%) turmas de creches e pré-escolas não têm ensino de questões étnico-raciais no currículo escolar. Todas as regiões do país foram incluídas no mapeamento, que considerou 3.467 turmas, sendo 1.683 creches e 1.784 pré-escola.
Como referência, a pesquisa utilizou a Lei 10.639, que há 21 anos tornou obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira nas escolas públicas e privadas. A legislação visa resgatar a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à história do Brasil.
Ao analisar o método e o período de permanência da educação infantil, o levantamento concluiu que as crianças participaram de aproximadamente 11 mil horas de atividades, sem enfatizar as questões raciais. Além dos conteúdos pedagógicos, os materiais artístico-cultural e científico de diferentes origens étnico-raciais foram os que registraram a menor presença nas salas de referência, sendo completamente ausentes em 70% das turmas.
A pedagoga Beatriz Lima afirma que não ter a representatividade de afro-brasileiros (vale destacar, em situações positivas), seja nas imagens que fazem parte da decoração do espaço escolar, seja no material didático, pintura ou entre os brinquedos na educação infantil (como bonecos e bonecas negras), também é um indicativo de racismo estrutural na escola.
“Isso envolve repensar coletivamente tudo o que constitui uma escola. Garantir condições de trabalho para os professores, representatividade e proporcionalidade no quadro de contratação de pessoas negras, sobretudo nos cargos de gestão, e atenção especial à garantia dos demais direitos dos estudantes, contando com a rede de proteção intersetorial”, acrescenta.
Segundo Beatriz, para construir uma sociedade equânime, é necessário compreender qual é o papel que cada estrutura socioeconômica desempenha na reprodução do racismo, a fim de desenhar estratégias eficazes para o seu enfrentamento. “Sem uma educação efetivamente antirracista, não é possível pensar em uma sociedade igualitária. Isso também passa por promover a gestão democrática e construir o Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola a partir da escuta dos estudantes, professores e familiares e do território, com o propósito de que aquele espaço tenha sentido para a comunidade. No que cabe ao trabalho pedagógico, diz respeito a repensar o currículo e os materiais oferecidos aos estudantes”.
Ela salienta ainda que esse trabalho não pode ser pontual e se restringir a um único docente. “Precisa envolver a todos de forma interdisciplinar. Deve ser um plano anual, feito de forma coletiva, sensível, que engaje professores, profissionais, famílias e estudantes”.
Para a professora Magna Andrade, entre as estratégias utilizadas para estimular atitudes mais inclusivas e o respeito às diferenças, destacam-se debates, brincadeiras, contação de histórias com bonecos, o reconhecimento de situações discriminatórias, bem como a incorporação de narrativas que tragam os negros como protagonistas.
“Da educação infantil à superior, é essencial conhecer e ressaltar o protagonismo africano e afro-brasileiro na produção do conhecimento, como Dandara, Acotirene, Milton Santos, João José Reis, Muniz Sodré, Conceição Evaristo, Chiquinha da Silva, e relacionar esses exemplos positivos a cada um de nossos estudantes negros”, afirma Magna.
A docente reforça que outro ponto fundamental é o incentivo à pesquisa, que pode e deve ser feito pelos gestores educacionais em parceria com a universidade e seus órgãos de pesquisa. “A partir delas, serão criados conhecimentos sobre a questão do racismo e o seu enfrentamento na escola, mantendo o assunto em pauta permanentemente e extrapolando as fronteiras acadêmicas para circular no espaço e na comunidade escolar”.