A maioria dos casos de violência e agressão contra crianças no país, em torno de 93,6%, ocorre no ambiente doméstico. Isso é o que mostram os dados de uma pesquisa elaborada pela Organização Não Governamental (ONG) ChildFund Brasil, com o apoio da The Lego Foundation. O levantamento foi feito entre outubro de 2022 e janeiro de 2023.
O estudo indica que 72,7% dos casos de agressão acontecem onde mora a vítima e o acusado, 15,7% na casa da criança e 5,2% no domicílio do agressor. Os percentuais restantes (em torno de 6%) ficam distribuídos entre via pública (1,5%), casa de familiares (1%), ambiente virtual (0,8%), estabelecimento de ensino (0,5%) e de saúde (0,3%).
A pediatra e doutora em saúde pública, Deborah Carvalho, ressalta o que pode explicar essas ocorrências. “Desestruturação familiar, uso de drogas, álcool, experiência de agressão dos pais na infância e essencialmente, a violência estrutural devido a miséria e a desigualdade”.
Ela também destaca que as crianças permanecem mais tempo em suas casas, por isto, que neste local, elas sofrem mais agressões. “A violência estrutural normaliza a crença de que educar se dá por meio de castigos e ameaças, sendo que o lar deveria ser espaço de proteção. Além das agressões físicas e sexuais, um tipo muito comum é a negligência parental, ou seja, a ausência ou a insuficiência de cuidados”.
Quanto aos tipos de agressão registradas, a pesquisa apontou que, em primeiro lugar, ficaram as violências contra a integridade física das crianças e dos adolescentes. Maus-tratos, riscos à saúde, agressão, lesão corporal e tortura física acumularam 37,1%. Violência contra a integridade psíquica (exposição, constrangimento ou difamação), em segundo lugar, com 18,7% e tortura psíquica, ameaça e alienação parental em terceiro, com 15,4%.
Maurício Cunha, diretor nacional da ONG, explica que as violências físicas são, comumente, de melhor compreensão e identificação por parte da sociedade, sejam elas as próprias vítimas ou pessoas externas ao domicílio, como vizinhos, outros parentes e amigos. “Porém, é importante destacar que, habitualmente, elas não ocorrem de forma isolada, mas estão inseridas em algum ciclo de violência, somando-se a agressões, ameaças ou a privação de liberdade”.
Mais ocorrências
Ainda de acordo com a pesquisa, apesar de não ser tão perceptível quanto a agressão física, a violência psicológica cometida contra crianças e adolescentes também é muito expressiva no Brasil. Só no ano de 2021, foram registrados 186.862 casos de denúncias de violações de direitos de crianças de até 9 anos no “Disque 100”, do governo federal.
Deborah afirma que além de consequências imediatas, como ferimentos, lesões, internações e mortes, essas ações deixam uma experiência emocional desagradável. “As violências, mesmo quando não deixam marcas físicas evidentes, trazem sofrimentos psíquicos e afetivos. Agressões contra criança perpetuam na sociedade, deixando traumas e resultando em possíveis agressores de seus filhos no futuro. As famílias devem ser apoiadas pela sociedade, por políticas públicas, educação e círculos familiares para que tenham convivências saudáveis”.
Ela pontua ainda que são várias as iniciativas que o poder público pode investir para inibir esses casos. “Políticas de emprego e renda, redução das desigualdades, apoio às famílias e combate a violência estrutural. Entretanto, temos que avançar na identificação, os profissionais dos serviços de saúde e educação, que atendem essas crianças, devem notificar cada caso. Isso é essencial para conhecer o estado real e criar possibilidades de atuação”.