Há 14 anos era sancionada a Lei Maria da Penha, tendo como objetivo criar mecanismos que reprimissem a violência doméstica contra as mulheres e punir os agressores. No entanto, mesmo sendo considerada a terceira melhor norma para essa luta, sua implementação parece não ter surtido tanto efeito. Prova disso são os números de violência contra a mulher em 2020.
Dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos apontaram um crescimento de 13,35% em fevereiro, 17,89% em março e 37,58% em abril, quando comparados com o mesmo período de 2019. O isolamento social promovido para conter a propagação do coronavírus parece ter agravado ainda mais a situação. Os casos de feminicídio tiveram alta de 22% durante a quarentena, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Estima-se que a violência doméstica e familiar seja a principal causa do feminicídio no Brasil e no mundo. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que 17,8% sofreram algum tipo de violência física ou sexual no ano passado, o que representa que uma em cada cinco mulheres foi vítima desse tipo de crime em 2019.
O delegado de polícia Sandro Caldeira afirma que a agressão tem crescido nesse período por uma série de fatores, como desemprego, queda na renda, consumo de álcool, aumento de estresse no núcleo familiar causado pelo ambiente confinado, etc.
Sobre a Lei Maria da Penha, Caldeira diz que ela é atual e aplicada, inclusive, para mulheres trans e com base na jurisprudência, apesar de não trazer em seu texto legal a referida previsão. “Ou seja, cabe ao legislador ter um olhar constante nas mudanças sociais, visando mantê-las em consonância com os anseios da população e com a realidade que se apresenta”.
O especialista acrescenta que pensando nisso, desde 2017, a Lei Maria da Penha passou a prever que é direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores – preferencialmente do sexo feminino – previamente capacitados. “Além de assegurar diretrizes para inquirição de mulher, como a não revitimização da depoente, evitando sucessivos interrogatórios sobre a mesma ocorrência”.
Ele comenta o fato de muitas relatarem não encontrar uma escuta sem julgamentos e acolhida após sofrerem a hostilidade. “A falta de empatia em relação à violência doméstica acaba gerando uma revitimização, o que inibe a denúncia dos agressores”.
Vertentes
Caldeira diz que as mulheres pretas e de baixa renda são as que mais sofrem violência e as que mais denunciam seus agressores. “Elas também são as maiores vítimas de homicídio e feminicídio, de acordo com o Atlas de Violência Doméstica de 2019”.
Para ele, isso acontece mesmo o país possuindo políticas públicas de enfrentamento. “Os índices demonstram alcance reduzido de atuação na proteção das mulheres negras, por exemplo. Os estereótipos construídos ao longo de séculos de história possuem grande influência na construção das identidades e têm importante atuação na vulnerabilização da mulher negra, ao colocá-la como objeto, desumanizando-a”.
Solução
Segundo o especialista, a solução seria ter uma maior conscientização da mulher, do seu lugar de fala e de seus direitos. “Bem como o estímulo social para a criação de homens e mulheres fora de um contexto machista e patriarcal. Por fim, a implementação crescente de ações rigorosas e constantes ao enfrentamento da violência com punições efetivas e medidas de apoio às vítimas”.