Uma dor de cabeça que vira um tumor, uma pinta que deve ser um câncer ou ainda uma taquicardia que, provavelmente, seria um infarto. É assim que pensa um hipocondríaco. A ideia constante de estar acometido por uma doença grave afeta cerca de 4% a 9% dos brasileiros. Apesar dos números não serem exatos, uma análise do Google estima que existam 150 mil casos anuais de hipocondria no país.
O psicólogo e especialista em homeopatia Roberto Debski explica que o hipocondríaco foca sua atenção, de forma compulsiva, sobre o estado de saúde, causando sofrimento e limitações. “Ele supervaloriza qualquer tipo de sintoma imaginando se tratar de um problema grave e busca informações na internet, se automedica e, também, procura serviços de saúde e médicos para validar suas suspeitas e medos”. Debski diz que os principais indícios são estresse e ansiedade. “A pessoa quando está assim não consegue expressar adequadamente suas emoções e sensações. Isso sobrecarrega seu organismo e mente. Sendo assim, outros sinais podem surgir como alterações gastrointestinais, no sono e humor. Além disso, ela pode se tornar mais agitada e ter dificuldades nos relacionamentos. Tudo gera um círculo vicioso de ocorrências e medos”.
Ele ressalta que o hábito que 26% da população brasileira tem de pesquisar sintomas em sites de buscas pode ser um gatilho. Por isso, segundo o especialista, é preciso cautela. “É positivo se informar pela web, o que não é saudável é ter certeza de que as informações são sempre verdadeiras e, inclusive, confrontar profissionais da saúde acreditando que tem mais razão que quem estudou anos para exercer tal profissão”.
O psicólogo também aponta a pandemia como mais um motivo de tensão. “Milhares de pessoas estão adoecendo e morrendo em todo o mundo e isso favorece e aumenta o medo em relação às doenças. Esse receio pode ser mais potencializado nos hipocondríacos”.
Tratamentos
Por ser um transtorno psiquiátrico, há tratamento que pode ou não ser medicamentoso. O psicólogo elucida que a pessoa deve procurar um profissional para que se possa encontrar uma maneira de melhorar o quadro. “A psicoterapia, junto com um tratamento médico, pode encaminhar o paciente para um movimento mais saudável em direção à cura”.
Debski explica que a psicoterapia possui diversas abordagens que tem se mostrado efetivas em melhorar a saúde física e mental. “Além do tratamento médico e psicológico, as práticas integrativas podem auxiliar na busca de equilíbrio, potencializando o resultado, como a ioga, que nos reconecta com o momento presente e impede ou diminui o fluxo desordenado de pensamentos e emoções negativas voltadas para o futuro. Há também a meditação, que altera a química cerebral, reduzindo o nível dos hormônios do estresse e ansiedade, como a adrenalina e o cortisol, aumentando os neurotransmissores do prazer e do bem-estar”.
Ele acrescenta que o método terapêutico conhecido como constelação familiar também pode ser uma saída. “O recurso serve para tratar emaranhamentos e problemas que vem do sistema familiar. Muitas vezes, a ansiedade, depressão, medo de adoecer e morrer tem causa sistêmica e a vivência da constelação familiar permite que olhemos para a origem disso”. Segundo o especialista, por estimular os mecanismos de equilíbrio, a acunputura também pode ser uma alternativa. “Ela traz de volta as condições de saúde física e mental por meio do estímulo de pontas e zonas reflexas. E ainda temos o EDMR, técnica que só pode ser aplicada por médicos e psicólogos, que utiliza movimentos oculares, táteis ou auditivos dentro de um protocolo de tratamento de oito fases, onde há um reprocessamento de memórias traumáticas, às quais se integrarão à nossa rede neural em um processo adaptativo, nos auxiliando a superar os traumas”.
Ele destaca que as possibilidades de tratamento são múltiplas e que é de suma importância que o paciente busque por algum caminho. “A pessoa deve ir atrás de profissionais capacitados para iniciar os cuidados e recuperar a saúde, liberdade e alegria de viver”.
Foi exatamente o que fez o publicitário Kaique Reis, que percebeu no início da pandemia que sua preocupação era extrema e excessiva. “Sempre tive o hábito de pesquisar na internet meus sintomas e de ficar meio nervoso imaginando sem parar o que poderia ser. E ficar doente quase sempre é um tormento pra mim. Porém, com a disseminação do novo coronavírus, percebi que não estava bem. Mesmo em casa, isolado, nada me tirava da cabeça o medo de pegar a doença. E, com isso, vinham sintomas que me faziam imaginar que, para além da COVID, já estava com outras enfermidades. Isso me consumiu tanto que eu não conseguia me concentrar em mais nada”. O publicitário acabou procurando pela terapia on-line e faz uma sessão por semana. “Hoje, vejo que existem formas de me proteger das doenças, sendo saudável e positivo. E é isso que tenho feito, não é fácil, mas estou tentando, ao máximo, viver no presente”, conclui.
Nova classificação
A última edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, publicada em 2013 e elaborada pela Associação Americana de Psiquiatria, classificou dois tipos de hipocondria: há o transtorno de ansiedade de doenças (quando o paciente não sente nenhum sintoma) e o transtorno de sintomas somáticos (quando sente alguma coisa e supervaloriza). Debski acrescenta que existe também a misofobia, que é um medo de bactérias que pode ser conhecido como germofobia ou bacteriofobia. “São pessoas que sempre lavam as mãos e não querem se contaminar. Isso pode estar associado ao medo de adoecer, sofrer ou morrer”.
