Uma pesquisa do Primeira Infância para Adultos Saudáveis (Pipas), do Instituto de Saúde de São Paulo, mostrou que a grande maioria dos pais acredita ser preciso punir os filhos verbalmente ou fisicamente com a finalidade de educá-los. Foram ouvidos 7.038 cuidadores de crianças e, de acordo com os resultados, 73% acreditam que os castigos são necessários. Sendo que 49% são favoráveis às palmadas e 25% aos gritos.
Os dados, coletados no final do ano passado e divulgados recentemente, preocupam especialistas da primeira infância. O temor é que, com as crianças em casa o tempo todo, as disciplinas punitivas possam se intensificar durante o isolamento social. “Nossa pesquisa identificou que, para muitos cuidadores, as medidas de castigo fazem parte da educação dos filhos. O estudo é um alerta para que possamos informar e esclarecer os pais sobre as repercussões negativas dessas práticas, com o objetivo de levar a uma mudança de cultura”, explica Sonia Venancio, pediatra, doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP) e vice-diretora do Instituto de Saúde, um dos responsáveis pela pesquisa.
Segundo a pesquisadora, as crianças são, especialmente, afetadas pela mudança drástica no cotidiano. “O fechamento dos colégios deixa muitas delas sem a merenda escolar, por vezes, fundamental para garantir sua nutrição, além da falta de estímulos necessários ao seu desenvolvimento. Mais tempo em casa também pode levar a uma maior exposição à violência. Da perspectiva dos pais, a crise econômica pode acentuar casos de estresse e depressão e interferir nos cuidados das crianças. Por isso é importante eles estejam atentos ao comportamento dos filhos, procurar entender suas reações e aceitar eventuais recuos em etapas de desenvolvimento já alcançadas. Dedicar tempo à criança, às brincadeiras e contação de histórias também podem ser boas estratégias para minimizar esses efeitos”, afirma Sonia.
A pediatra esclarece que as disciplinas utilizadas pelos pais podem ser classificadas em: não violentas (por exemplo, explicar porque algo está errado), psicologicamente agressivas (como xingar e gritar) e fisicamente violentas (bater ou dar palmadas). “O uso de práticas psicologicamente agressivas e fisicamente violentas são consideradas violência ou maus-tratos contra crianças e não devem ser usadas na educação. No nosso contexto, porém, muitas vezes, as práticas punitivas são consideradas ‘normais’ para a educação, como demonstrou a pesquisa, por questões culturais e pela própria reprodução intergeracional”.
De acordo com a especialista, descontar o estresse nos pequenos pode ter consequências no futuro. “A punição severa na infância impacta no desenvolvimento, saúde mental e no comportamento social da criança e os efeitos podem persistir na idade madura. Estudos mostram que adultos que foram vítimas de violência podem ter aumento da agressão, saúde mental precária, criminalidade e comportamento antissocial e um risco maior de perpetração de abuso de filhos ou cônjuges”, alerta Sonia.