Infelizmente, a violência doméstica é democrática, porque independe da raça, religião, faixa-etária ou classe social da vítima. Segundo a delegada da Polícia Civil, Danúbia Quadros, a agressão acontece em qualquer âmbito. “Tem muita mulher que apanha calada. Não se trata apenas de agressão física, mas também psicológica, moral, sexual e financeira”, informa.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) revela que uma em cada três mulheres no mundo é vítima desse tipo de violência. E o panorama brasileiro é ainda mais alarmante: cerca de 13 mulheres são assassinadas por dia em situação de violência familiar, conforme o Mapa da Violência/2015.
De acordo com uma análise divulgada pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), no ano passado, 126.710 mulheres foram vítimas de violência doméstica em Minas Gerais. Em 2015, esse número foi um pouco pior: 129.391. Na capital, 14.960 ocorrências deste tipo foram registradas em 2016. Enquanto que, no ano anterior, 15.224 mulheres sofreram agressões.
Um breve diagnóstico nas 18 Regiões Integradas de Segurança Pública do Estado (RISP), realizado de 2014 a 2016, mostra que Belo Horizonte foi o local onde houve o maior número de registros, com 12% dos casos nos 3 anos analisados, seguidas de Juiz de Fora e Contagem, ambas com 9%.
*K.R.S, lamentavelmente, faz parte desta triste estatística. “Fui agredida diversas vezes pelo meu ex-marido, inclusive quando estava grávida de 8 meses. Em 2003, nossa filha de 2 anos presenciou tudo. Eu estava em casa e ele chegou alterado, então me tranquei no quarto. Não satisfeito, ele chutou à porta até fazer um buraco e eu tive que abrir. Em seguida, começaram as discussões, socos, empurrões e chutes. Ao final, havia muita coisa quebrada. Ele me colocou para fora de casa e resolvi chamar a polícia e fazer um boletim de ocorrência. Pouco tempo depois, o casamento acabou”, relembra.
Segundo a coordenadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marlise Matos, essa é uma violência cíclica, que não começa com um tiro ou assassinato, mas em um relacionamento abusivo. Desse modo, expressões como: “você não vai usar esta roupa”; “tire esse batom”; “não quero que saia com determinados amigos”, etc devem ser identificadas para que não se transformem em violência física. “A mulher não pode enxergar isso como um cuidado, ciúmes ou carinho. Para que isso não ocorra, é necessário socializar as meninas desde cedo para que percebam essa interação abusiva e digam não”.
Ela acrescenta que esse é um sintoma da sociedade patriarcal na qual vivemos. “As relações ainda são pautadas de forma hierárquica, desigual e de interação de gênero. Homens têm uma posição de domínio e acreditam que podem controlar a vida da mulher. A verdade é que não existe uma democracia de gênero”.
Marlise diz que o Estado é, invariavelmente, uma instituição que reproduz as estruturas dominantes existentes. “Por isso, a luta feminina sempre foi para que existissem as delegacias de mulheres e o esforço de agora é para qualificá-las. Temos funcionárias mulheres, mas é preciso ressaltar que o grupo que as socializa é o mesmo para os homens. Então, é normal que ela se sinta mal acolhida na delegacia, porque o padrão machista é reproduzido”.
Ela destaca que, além da delegacia, uma exigência foi que se tivessem Centros de Referência ao Atendimento à Mulher. “Um exemplo, na capital mineira, é o BenVinda, onde a vítima conversa com uma equipe multidisciplinar, que pode orientá-la. Muitas vezes, após a denúncia, há uma escalada do grau desse relacionamento abusivo e a vítima sozinha não tem como mensurar isso”.
Processo
Para denunciar, a mulher pode fazer uso do Disque 100 ou Disque 180. Para que haja uma investigação, basta que a polícia tome conhecimento e o inquérito já é instaurado. No entanto, Danúbia acrescenta que para a aplicação da medida protetiva, que é uma possibilidade da lei, é necessário que a mulher compareça pessoalmente e assine um requerimento. “Se houver o deferimento e o descumprimento por parte do agressor, ele pode ser preso preventivamente. Em caso de risco de vida, tem a possibilidade do abrigamento em Belo Horizonte”.
Outra informação enfatizada pela delegada se refere à subnotificação das ocorrências. “Isso é muito comum e acaba dificultando mais o trabalho. Precisamos que a vítima denuncie toda a vez que ocorrer uma nova agressão. Mesmo porque não existe garantia da polícia e nem da Justiça que esse agressor vai ficar longe da mulher por diversos motivos”.
Danúbia se entusiasma ao enfatizar que, em Minas, está sendo desenvolvido um aplicativo pela Polícia Civil. “Tentamos instalar o ‘Botão do Pânico’ – implantando no Espírito Santo – mas o Estado não tem orçamento para isso, assim buscando outras maneiras para proteger as mulheres”.
Fique atenta
- O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, determinou a todos os Tribunais de Justiça que criassem unidades judiciárias especializadas nos casos de violência doméstica.
- Atualmente, há 115 varas especializadas, espalhadas por 85 cidades brasileiras.
- Tramitam na Justiça mais de 1 milhão de processos relativos ao tema.
Você não está sozinha
- A Lei Maria da Penha trouxe a tipologia de violência que pode ocorrer em âmbito doméstico e qualquer uma delas, praticada contra a mulher, pode dar ensejo a sua aplicação.
- Em caso de agressão, a vítima deve procurar a Delegacia de Plantão de Atendimento à Mulher, localizada na Avenida Augusto de Lima, 1.942 – Barro Preto, que funciona, 24h, de segunda a domingo.
- No interior existem mais de 70 delegacias das mulheres, mas a denúncia pode ser feita em qualquer distrito.
*A entrevistada pediu para ter o nome preservado, por isso foram utilizadas apenas as iniciais do nome.