Nos últimos dez anos, o percentual de estudantes negros entre 18 e 24 anos no ensino superior passou de 5,5% em 2005 para 12,8% em 2015, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O fato do aumento pode ser associado a implantação do sistema de cotas no início dos anos 2000, mas apesar dos avanços, muito ainda precisa ser feito. Se compararmos com o índice de brancos no mesmo período, o número representa menos da metade do total jovens brancos que tem a oportunidade de ingressar no ensino superior – antes com 26,5% em 2015 e, 17,8% em 2005.
Sobre esse tema, o Edição do Brasil conversou com Alexandre Braga, presidente da União de Negros pela Igualdade de Minas Gerais (Unegro/MG). Ele afirma que existe um fosso social histórico. “Tivemos um apartheid no Brasil que separava brancos e negros ao longo dos últimos séculos. Isso reflete não só na educação, mas também na política, na cultura e na sociedade como um todo. A representação do negro em vários setores é bem menor do que a população branca. Isso é fruto do fim do regime escravocrata. Na época da abolição, não houve nenhum tipo de política pública para inserir na sociedade o negro que deixou de ser escravo, o que vem se arrastando ao longo do tempo e continua refletindo no século XXI”.
Apesar do número de negros em faculdades ter aumentado, por que ainda não se igualou ao de brancos?
O ensino superior público era para a elite, ou seja, os filhos dos senhores do engenho e pessoas de classe econômica favorecida. As políticas de ações afirmativas surgiram nos anos 2000 para tentar diminuir esse fosso, que ainda permanece, apesar do aumento no número de estudantes negros nas universidades. Existem cursos em que a presença deste grupo em sala de aula é minoria, como medicina, odontologia e algumas engenharias. Diversas organizações que lutam pela causa acreditam que seja necessário pelo menos mais 15 a 20 anos de políticas especificas para a população negra diminuir esse fosso social.
Existe alguma deficiência no ensino público quando comparado ao particular?
Não podemos fazer uma comparação fechada e rigorosa, porque o objetivo do particular e do público são contrários, com recursos e metodologias diferentes. O ensino público tem que ser atualizado, pois ainda não está apto suficiente para lidar com as novas demandas do estudante que é bolsista ou que precisa trabalhar, e tem dupla jornada. Ele ainda precisa se adaptar a essa nova realidade. A escola publica também precisa passar por uma modernização. Na informática, por exemplo, os equipamentos funcionam precariamente. Nos métodos didáticos, muitos professores usam quadro negro com giz, o que está ultrapassado. Será um processo a longo prazo e um grande desafio. Mas, mesmo com todas as deficiências, acredito que todos querem estudar em escola pública, desde aluno de família rica, classe média a estudante pobre de periferia, porque isso é um requisito para ingressar na universidade federal pelo sistema de cotas.
Qual a maior dificuldade do estudante negro ter acesso a universidade?
É importante salientar que as políticas de ações afirmativas democratizaram o processo de seleção, mas não garantem o ingresso na universidade pública. Todos podem se candidatar a uma vaga, porém o acesso ainda é extremamente competitivo, difícil e desigual. O Enem exige um preparo muito grande que o aluno negro e pobre não tem condições de fazer. É preciso horas de estudo e dedicação para dar conta. Muitas vezes o estudante também precisa trabalhar para ajudar no sustento da família, o que acaba prejudicando, porque ele não tem o mesmo tempo que o branco de classe média rica tem para se dedicar. Alguns, também, já possuem filhos, o que é mais um desafio para presença do negro no processo de seleção. Além disso, existe a questão da mobilidade urbana, o tempo gasto para se deslocar até o local de estudo e o material didático insuficiente.
As cotas são necessárias?
São, porque precisamos de instrumentos para superar as desigualdades. Acredito que sejam necessárias até 2025. Pelo o que vemos e em conversas com os beneficiários, elas tem dado certo, tanto na área de educação, como em outros setores. Agora temos discutido a questão das cotas também em concursos públicos e na pós-graduação. E apesar de todas as dificuldades, o cotista tem um desempenho acadêmico igual ou superior ao não cotista. O padrão de qualidade das universidades públicas não caiu por causa da adoção do sistema de cotas. A UFMG, por exemplo, além das cotas possui programa de bolsa permanência, moradia, transporte, assistência médica e, também, a Formação Transversal em Direitos Humanos. Tudo para envolver a todos na discussão pela igualdade racial.
O preconceito ainda é uma barreira?
Continua sendo uma grande barreira, porque mesmo com os avanços, ainda é uma novidade o negro dentro da universidade. Eles estão cada mais envolvidos com novas atividades. Existe o Ciência sem Fronteira, que leva jovens para estudar fora do Brasil e o negro da periferia também tem participado. O curso de medicina, há 20 anos, era 100% de brancos e, hoje, tem pelo menos 2% de negros. Mas, não podemos negar que a presença do negro gera um estranhamento. Os colegas precisam começar a ter o respeito pela diversidade e dividir os privilégios, porque o Brasil é um país miscigenado de maioria negra e indígena. Isso é um processo lento e que requer a fiscalização dos órgãos públicos.
Existem estudantes que fraudam o sistema de cotas para negros e indígenas para conseguir ingressar na universidade. Como você avalia essa postura?
Toda fraude é um crime e quem cometeu precisa pagar. Criamos comissões de acompanhamento composta por membros das universidades, sociedade civil e órgãos de direitos humanos. Essa comissão dialoga diretamente com o órgão responsável pelo processo de seleção. É elaborado um edital que contem a informação clara que se qualquer tipo de fraude for detectada o estudante pode perder o benefício ou a vaga, mesmo após fazer a matrícula. É importante lembrar que a política de cotas é especial para a população que sempre foi marginalizada. Ela é voltada para as que necessitam desse instrumento em função da desigualdade social e para superar o processo de exclusão.