A segunda edição do relatório Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), revelou que entre 2021 e 2023, o país registrou 164.199 ocorrências de violência sexual contra crianças e adolescentes de até 19 anos. Apenas no ano passado, foram 63.430 casos, sendo 4.080 em Minas Gerais.
48,3% desses crimes foram sofridos por meninos e meninas entre 10 e 14 anos. Já o perfil das vítimas, 87,3% delas eram do sexo feminino, 67,1% foram violentadas dentro de casa e 85,1% dos autores eram conhecidos. Para discutir o assunto, o Edição do Brasil conversou com o advogado criminalista Bruno Rodarte.
O levantamento aponta uma subnotificação de casos. Por quais motivos isso acontece?
É muito traumatizante um ato de violência sexual e isso traz marcas que a pessoa irá carregar por toda a vida. E o ser humano tende a esconder a situação para não ficar lembrando a todo momento. Ao denunciar, também pode trazer um processo de revitimização, sendo questionada, tentando transferir a responsabilidade para ela. Nós precisamos urgentemente mudar essa perspectiva e demonstrar que a vítima desses crimes será devidamente acolhida pelos órgãos competentes, assistida e cuidada de forma digna e adequada por todos os envolvidos desde a investigação inicial, até o fim de uma ação penal. Nos órgãos públicos existe uma pessoa para ajudar ela a sair daquela situação e também responsabilizar o agressor.
A vítima costuma apresentar mudanças no seu comportamento?
É natural que o indivíduo fique mais retraído, com medo e sem expor uma eventual alegria, ou apresentando atitudes que não tinha antes. Isso pode acontecer em todos os aspectos da sua vida, seja na família, escola ou com amigos. Pessoas próximas que possam notar essa mudança repentina devem fiscalizar e instigar essa criança ou adolescente a contar o que aconteceu.
Você considera que a legislação atual, para coibir o problema, é eficaz?
Acredito que denunciar os casos é uma das medidas mais importantes. Tornar mais rígido o crime de estupro não gera nenhum efeito prático no sentido de reduzir a criminalidade, conforme comprovam vários estudos. Na verdade, o que é necessário é uma mudança na mentalidade da população como um todo, a fim de noticiar essas práticas e as consequências dos atos, mas principalmente aplicar melhor a legislação vigente. Nós temos leis sérias e rígidas que podem sim responsabilizar de forma concreta e adequada um determinado infrator.
Como seria possível reduzir os índices de estupro?
As campanhas de conscientização são imprescindíveis nessa mudança comportamental. Por exemplo, as pessoas na faixa etária de até 14 anos, muitas vezes, não têm condições de verificar se determinada conduta é estupro. Ações para demonstrar que determinadas condutas são capazes de ensejar a responsabilização criminal daquele indivíduo são de extrema importância para diminuir a prática desse crime.