O governo federal tem sido duramente criticado por outros países pela falta de ação no que se refere ao combate ao coronavírus. As polêmicas proferidas pelo presidente Jair Bolsonaro e a insistente descrença em relação ao número de mortes e infectados podem impactar diretamente nas relações internacionais e até mesmo na retomada econômica do Brasil. Para analisar essa imagem negativa em tempos de pandemia, o Edição do Brasil conversou com Vladimir Feijó, doutorando em direito internacional e mestre em direito público.
Como o Brasil era visto pela comunidade internacional há 10 anos?
Como o lugar mais legal do mundo e isso traz uma ambivalência tanto no sentido positivo, de povo alegre e respeitoso, quanto no negativo de festeiro e irresponsável. Ser o “país do Carnaval” passa a imagem de não ser forte em mais nada. Em 2010, o Brasil era visto como potência emergente e caminhava para ter relevância compatível ao tamanho do território e população.
Depois de duas décadas da nova constituição e dos bons resultados no controle da inflação e crescimento econômico parecia que estávamos prestes a deixar o autoritarismo na história. Ainda em 2010, estávamos compromissados a sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Brasileiros eram selecionados para presidir organizações internacionais e comandar missões de paz. O país estava completando 20 anos de abertura econômica, diversificando tanto os parceiros comerciais como a pauta exportadora.
Autoridades internacionais criticaram a postura do governo em relação à pandemia. Isso prejudica nossa relação com outros países?
O noticiário internacional já aponta o Brasil como epicentro da pandemia há alguns dias, além de expor cenas impactantes de covas coletivas e hospitais sem insumos para responder à crise. Também houve reforço da imagem de país pobre e desigual, destacando a maior incidência nas vilas e favelas e a interiorização da doença até nas tribos indígenas. Enquanto tivermos altos níveis de contágio, mortes diárias e internações o maior impacto é nos planos de retomada de investimentos projetando dificuldades no retorno e sustento da atividade econômica.
Os ataques de Bolsonaro e de quem o apoia direcionados ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal podem danificar a economia brasileira?
Os ventos de 2020 são de combate internacional ao crime organizado, lavagem de dinheiro e corrupção em geral. Para que isso ocorra as ferramentas empregadas são instituições sólidas, independentes e que possam derrotar os poderosos, seja na iniciativa privada ou pública. Gerentes de empresas são cobrados de seus acionistas a terem transparência para medir a efetividade das chances de lucro no futuro. Programas de compliance, inclusive, exigem que investimentos sejam feitos em países com certos índices de estabilidade do Estado de Direito. Quando o poder Executivo apoia e instiga protestos contra as instituições ele lança uma imagem de apoio ao passado de absolutismo e que não é confiável. O esquema de freios e contrapesos com todas as suas dificuldades é a base do Estado de Direito.
Muitos afirmam que com a conduta do atual governo, o Brasil fica cada vez mais isolado do mundo. Quais as consequências disso?
A preocupação não é apenas com a resposta em relação à pandemia. O governo federal tem se mostrado inepto em diversas áreas. O esforço de mudar a imagem demanda tempo. Sucessivos governos precisaram dar sequência em projetos de impacto internacional, abandonar o alinhamento automático a uma potência e começar a construir voz própria de um país disposto a ouvir as críticas e sugestões. A reputação de uma nação violenta e instável nunca foi superada. O Brasil segue aparecendo como um lugar de natureza exótica, associado ao ecossistema da Amazônia. Aproveitamos dessa imagem e assumimos o compromisso em favor da energia limpa, combinada a redução da pobreza, com ampliação das reservas ambientais, das nações indígenas e dos quilombolas. Mas a quebra dessas promessas fere as parcerias firmadas.
Em um cenário de déficit, pelo menos até 2030, o governo federal pode encontrar dificuldades no futuro de conseguir empréstimos a juros razoáveis. Nós já vimos, inclusive, tratados assinados serem abandonados, como o acordo Mercosul – União Europeia.
Os EUA proibiram a entrada de brasileiros por causa da COVID-19. Quais serão os desdobramentos dessa ação?
Essa é uma medida esperada e que tem sido adotada por praticamente todos os países. O Brasil também proibiu a entrada de estrangeiros. As consequências conhecidas, mas pouco noticiadas, são a redução de viagens de negócio e de lazer. Com isso, tratativas de novos contratos de importação e exportação são adiadas e até abandonadas.
As pessoas de fora não poderão vir fazer turismo aqui, já que não teriam como saber se poderiam voltar para suas casas. Num cenário de reabertura geral, fazer parte das nações ainda fechadas, nos lança para o final da fila da retomada econômica. O desdobramento pode se estender a década adiante, já que em competição com outros países eles podem sair na nossa frente.
Há como reverter essa mancha do Brasil no exterior?
Sempre há espaço, mas a destruição da imagem ocorre em ventos fortes, ao passo que a construção demanda esforços contínuos. Tentamos mudar a ideia de país repressivo para um dentro da comunidade de nações, respeitador das normas. Aos poucos construímos uma visão de porta-voz dos interesses de outros que, como nós, estão em processo de desenvolvimento. Houve, porém, o abandono desta posição porque o governo acredita que há um novo tempo e estrutura internacional sendo criados. É uma aposta arriscada e sem respaldo. Enquanto durar o atual arcabouço seremos jogados cada vez mais para escanteio.
O que teríamos que fazer para melhorar nossa imagem internacional?
A primeira medida a ser adotada seria o abandono da prática negacionista dos fóruns internacionais. Será necessário deixar também o discurso religioso. Algo que também tenho convicção de ser importante é confiar nos técnicos e cientistas. Cargos de destaque tem que ser ocupados por quem tem formação na área e reconhecimento entre seus pares. A filiação ideológica e escolha com base exclusiva à fidelidade ao presidente não gera bons resultados porque as relações internacionais são entre países. Governos são passageiros e os autoritários podem até delongar, mas as relações com eles são sempre efêmeras.