Um estudo do Instituto Fome Zero, baseado em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2022 e 2023, combinados com informações da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017 e 2018, apontou uma redução no número de pessoas que passam fome no Brasil.
No início de 2022, eram 33 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar. Segundo o levantamento, no último semestre de 2023, o número caiu para 20 milhões. Sobre o tema, o Edição do Brasil conversou com a geógrafa e doutoranda em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Livia Cangiano Antipon.
Qual a diferença entre fome e insegurança alimentar?
A Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) considera três escalas de insegurança alimentar: leve, moderada e grave. A primeira é quando determinada família não sabe se terá recursos suficientes para acessar o alimento. Na moderada, a variedade e a quantidade ingerida se reduzem ou determinadas refeições não são realizadas. Já a grave é quando falta comida durante um dia inteiro ou mais. A fome é o último estágio da insegurança alimentar, com a falta de acesso consistente aos alimentos.
O que contribuiu para a redução da estatística?
A pesquisa deixa clara que a redução dos índices de fome no país está atrelada ao acesso à renda da população, como o Auxílio Brasil, concedido durante a crise sanitária; Novo Bolsa Família e à expansão do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Como a pandemia impactou a situação no Brasil?
A COVID-19 agravou um problema estrutural que o país já atravessava no que diz respeito às políticas de garantia da segurança alimentar. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobre condições de vida da população brasileira, já demonstravam uma constante na desvalorização dos salários a partir de 2016. Também já era observado uma diminuição dos estoques públicos de arroz e feijão, alimentos básicos da população brasileira e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) já alertava para o aumento dos valores das cestas básicas.
Somado a isso, houve o encerramento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), principal órgão federal na luta contra a fome no país, no início da gestão de Jair Bolsonaro (PL). Quando a pandemia chegou, tirou a possibilidade de acesso à renda de boa parte da população, impedidas de trabalhar para garantirem que suas vidas não fossem ceifadas pelo vírus.
É possível retirar novamente o país do Mapa da Fome?
Sim. Seriam necessárias ações emergenciais de transferência de renda a partir de auxílio em dinheiro e aumento de programas de assistência alimentar, como a distribuição de cestas básicas, construção e financiamento de cozinhas comunitárias, ampliação das redes de restaurantes populares, distribuição de gás para famílias necessitadas, ampliação de banco de alimentos urbanos, fortalecimento da agricultura familiar e de mercados locais urbanos e incentivo às hortas urbanas.
Já as ações estruturantes indicariam tanto para a reestruturação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), quanto para reformas estruturais, como a revogação da PEC que estabelece o teto de gastos públicos para os próximos 20 anos, a reforma agrária e urbana, reforma tributária e fiscal, e promoção de uma política de valorização e aumento do salário mínimo.