Dados do ciclo 2022 do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mostraram que das 1.772 amostras de 13 alimentos de origem vegetal, 443 delas tinham resíduos de agrotóxicos acima do permitido ou sem autorização, representando 25% do total analisado. Outras 728 (41,1%) não haviam resquícios e 601 (33,9%) estavam dentro do limite permitido.
Os alimentos que tiveram o maior número de amostras irregulares, seja por quantidade de agrotóxico acima do permitido ou proibido para uso na cultura, foi o maracujá, com 103 reprovações dentre 148 amostras, e o pimentão com 99 amostras dentre 142. Por outro lado, amendoim com 99 amostras aprovadas dentre 101 e o café em pó, com 156 aprovadas em 158. Para discutir sobre o assunto, o Edição do Brasil conversou com a professora associada do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG), Eliane Nonato Silva.
Existe alguma legislação vigente que regulamenta os níveis permitidos de agrotóxicos em alimentos?
Sim, o Brasil conta com uma legislação sobre o tema, a Lei 7.802/1989, que é muito mais restritiva que o Projeto de Lei (PL) 1.459/2022, chamado de “PL do Veneno”, aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.
Caso o “PL do Veneno” seja sancionado pelo presidente Lula, quais seriam os impactos?
A consequência da sua implementação seria um retrocesso do país em relação à produção de alimentos mais seguros e commodities agrícolas com garantia de mercados internacionais. O teor do projeto, que facilita o registro de novas substâncias e admite “risco aceitável de câncer”, abre as portas para produtos que a legislação vigente ainda consegue controlar, mas que tem um potencial muito mais nocivo do que o quadro atual.
Houve uma flexibilização no uso desses produtos nos últimos anos?
Dos dez agrotóxicos mais detectados em 2018 e 2019, segundo relatório divulgado pela Anvisa, quatro são proibidos na União Europeia. Já em 2022, a situação é mais dramática: seis dos dez mais detectados são proibidos na Europa. Mesmo com a legislação vigente, de 2020 a 2022, o governo federal liberou mais de 1.750 licenças de agrotóxicos, faturando US$ 20 bilhões em 2022. Enquanto o governo justifica o desequilíbrio nas contas públicas para promover contingenciamento em áreas como educação, os cofres públicos deixam de arrecadar bilhões por ano com a isenção de impostos de venenos agrícolas.
Quais são os principais impactos à saúde humana?
O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo e os impactos sobre a saúde da população são diretamente proporcionais a isso. Estudos científicos demonstram os danos que vários agrotóxicos provocam sobre as nossas células, afetando desde as funções celulares básicas, podendo diminuir a resistência a infecções até danos ao nosso DNA, aumentando a chance do desenvolvimento de câncer.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) divulgou um dossiê sobre os efeitos de agrotóxicos sobre a saúde reprodutiva da população. Foi demonstrado o aumento dos riscos de infertilidade, impotência, abortos, malformações em fetos, além de provocar doenças neurológicas, problemas alérgicos, desregulação hormonal e doenças autoimunes. Pesquisas já constataram um aumento da incidência de casos de câncer, tentativas de suicídio e malformações fetais nas regiões de maior utilização de agrotóxicos. No dia a dia, a exposição da população é pequena, mas os efeitos nocivos vão se acumulando no organismo, causando intoxicações e doenças crônicas depois de um longo tempo de contato.
Quais são as alternativas sustentáveis ao uso de agrotóxicos para o controle de pragas e doenças nas plantações?
Existem diversas experiências já consolidadas no Brasil e no mundo sobre cultivos mais sustentáveis, contrariando a narrativa de que os agrotóxicos são imprescindíveis para a produção de alimentos e commodities agrícolas. É necessário investir na pesquisa de formas sustentáveis de cultivo, substituir por produtos de menor toxicidade, proibir práticas como a pulverização, apostar em práticas sustentáveis de manejo pós-colheita, dentre outras medidas.
Como os consumidores podem se informar sobre os níveis de agrotóxicos em alimentos antes de comprá-los?
Infelizmente, os processos de rotulagem de alimentos no Brasil não obrigam a explicitação dos agrotóxicos, ou seja, o consumidor não tem como saber o que está comprando. A transparência é fundamental para que a população exerça o seu direito à informação e possa tomar decisões sobre o consumo com base nesses resultados.