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Reflexo: passado ainda influencia Brasil a ter trabalho análogo à escravidão em dias atuais

Foto: Divulgação/MPT

A abolição da escravatura aconteceu em 13 de maio de 1888. Porém, 134 anos após esse evento, casos de pessoas em condição de trabalho análogo à escravidão ainda são comuns em vários estados do país. Operações realizadas em Minas Gerais até o dia 1º de setembro terminaram com o resgate de 207 pessoas. As vítimas trabalhavam em colheitas de café, batata, alho e palha de milho em sete municípios nas regiões Sul, Oeste e Triângulo Mineiro.

O governo federal brasileiro assumiu a existência do trabalho escravo contemporâneo perante o país e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1995. Assim, o Brasil se tornou uma das primeiras nações do mundo a reconhecer, oficialmente, a ocorrência do problema em seu território. De 1995 até 2021, mais de 57 mil trabalhadores foram libertados de situações análogas a de escravidão em atividades nas zonas rural e urbana. Para discorrer sobre o assunto e como fazer para erradicar o problema, o Edição do Brasil conversou com o advogado trabalhista João Pereira (foto).

Conforme a legislação, o que pode ser caracterizado como trabalho análogo à escravidão?
O que define isso, seja em conjunto ou isoladamente, é a submissão do indivíduo a trabalhos forçados, jornadas excessivas, sem intervalo para refeições, sem descanso, em ambientes que contenham condições degradantes e sem estrutura necessária. Além disso, acrescenta-se descaso com a saúde e integridade física e psíquica do trabalhador, quando não há remuneração pelos serviços prestados, ou seja, quando todos os direitos trabalhistas estão sendo descumpridos.

Quais fatores permitem a perpetuação dessa situação em dias atuais?
Isso tem muito a ver com a questão dos aliciamentos que são feitos, com promessas de mudanças de vida, o que acaba levando esses trabalhadores a se sujeitarem a esse acordo. Motivos como extrema pobreza ou, até mesmo, falta de conhecimento da legislação trabalhista ou ainda de ter alguém que os ampare faz com que a gente ainda tenha no país um índice alto de trabalho análogo à escravidão.

Em sua opinião, resquícios do passado escravocrata brasileiro influenciam até hoje?
Não tenho dúvida que a cultura escravocrata tem influência. O estado brasileiro, ao mesmo tempo em que promove a libertação do escravo, não criou uma forma de proteção para esses indivíduos. A violência contra pessoas negras segue sendo gigantesca, inclusive pela própria polícia. A ideia de escravidão pode ter acabado no papel, mas, na prática, não houve uma preocupação em proteger e inserir na sociedade esse grupo. Com isso, de uma forma mais escondida, o trabalho escravo continua.

Há mais casos de trabalho escravo na cidade ou no campo?
Não resta dúvida que a maior concentração do trabalho escravo ocorre na zona rural, por meio de plantação de milho, café, criação de gado, garimpo ilegal, exploração de madeira, etc. Entretanto, na zona urbana também há várias ocorrências, que inclusive já saíram na mídia, de trabalhadores domésticos que não tinham seus direitos cumpridos.

O que o estado brasileiro pode fazer para melhorar a fiscalização e repreensão desses casos?
Deveria haver uma política pública mais eficiente em torno dessas pessoas, buscando garantir condições de vida, trabalho, saúde, educação e moradia em todas as áreas do Brasil. O que leva, na maioria das vezes, a pessoa a se submeter a esse tipo de trabalho é a necessidade de sobrevivência. Se dermos dignidade para essas pessoas, conhecimento dos seus direitos e fiscalização do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da força policial, você tem condições de se impedir que essa escravidão moderna aconteça.

Atualmente, quais são os mecanismos e instrumentos de combate ao trabalho escravo?
Continua sendo o Ministério Público do Trabalho, com amparo da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Temos também uma parceria estabelecida entre o ministério, a Previdência, a Polícia Federal e a Rodoviária Federal para que essas instituições possam fiscalizar, identificar e punir os casos. Há uma legislação boa, mas que, às vezes, não se aplica. A fiscalização que acontece na zona rural, também tem que sair para a área urbana, porque existem casos de exploração de mão de obra por construtoras, que acabam praticando trabalho análogo à escravidão. É importante que esses órgãos façam essas buscas e também que denúncias sejam feitas.

Perfil

Os dados oficiais do Programa Seguro-Desemprego registrados de 2003 a 2020 indicam que, entre os trabalhadores libertados, 68% são analfabetos ou não concluíram nem o 5º ano do ensino fundamental. Há também uma disparidade racial relevante entre os escravizados: mais da metade (58%) é negro, sendo 45% pardos e 13% pretos.