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95% dos profissionais de UTIs se declaram exaustos após segunda onda da pandemia

Medicamentos e equipamentos são primordiais no enfrentamento de uma pandemia letal, mas, sem o ativo humano na execução, pouco adiantaria. Um paciente grave de COVID-19, que chega a se internar numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI), vai precisar dos cuidados de um médico intensivista. Acontece que, de acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM), dos mais de 500 mil profissionais brasileiros, apenas 8.239 (1,6%) especializaram-se na categoria. E, após um ano e meio de pandemia e estagnação num patamar elevado de internações pela doença, eles estão exaustos. É o que relata a diretora presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), Suzana Ajeje Lobo (foto), em entrevista ao Edição do Brasil. Confira:

 

Qual a importância do médico intensivista na pandemia da COVID-19?
A COVID-19 é uma doença que leva um grande número de pacientes aos hospitais, deste montante, metade acaba precisando de UTI, especialmente, em relação à principal manifestação dessa enfermidade, que é a insuficiência respiratória com necessidade de ventilação mecânica prolongada. Esse cuidado é responsabilidade de um médico intensivista, que cuida de pacientes de alta complexidade. A importância da categoria nesta pandemia é enorme, assim como a do médico que atua na emergência.

A quantidade de profissionais intensivistas no Brasil era suficiente para enfrentar uma pandemia?
O número não é adequado. Nós sabemos que temos em torno de 8 mil pessoas com título de especialista no Brasil. Todos estão em atividade, mas alguns estão fora dos hospitais, nos campos da pesquisa ou ensino, por exemplo. Com certeza a quantidade não foi suficiente para atender a demanda de leitos de UTI no país, que cresceu 150%. A AMIB estima que cerca de 22 a 23 mil médicos não-especialistas em medicina intensiva estão, hoje, de plantão cuidando de pacientes com COVID-19 em estado grave. Uma epidemia de vírus respiratório deve ser controlada na comunidade. A gente sabe que essa doença é freada com medidas de contenção como uso de máscara, distanciamento social, restrições de mobilidade, rastreamento e isolamento de casos. Como o novo coronavírus não foi controlado de forma adequada localmente, o que sobra é a corrida atrás de vagas em hospitais para internar doentes.

Nós tínhamos a quantidade necessária de leitos de UTI?
O Brasil foi muito eficaz em aumentar o número de leitos em mais de 150%, entretanto, uma internação não é feita apenas de cama e equipamento. São necessários médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e técnicos em enfermagem treinados para realizar esse cuidado. O que a gente viu, na verdade, foi que em vários momentos faltaram profissionais, medicamentos e até oxigênio. Isso é devastador. Esses são sinais de colapso de um sistema que não conseguiu atender a enorme demanda de pacientes que precisavam. Agora, estamos estacionados num patamar muito elevado de casos, o que é bastante crítico porque significa que muitas pessoas vão ficar sem a melhor forma de tratamento.

Após um ano e meio de pandemia, quais são as principais percepções da AMIB sobre os médicos intensivistas? A AMIB conduziu uma pesquisa para avaliar sinais de exaustão física e emocional que caracterizam Síndrome de Burnout nos profissionais de saúde, além de outras condições, como falta de material e Equipamento de Proteção Individual (EPI). Nós avaliamos 2 mil intensivistas em dois momentos: junho de 2020 e março de 2021. No ano passado, 90% dos profissionais que trabalhavam nas UTIs apresentaram Burnout. Agora, esse índice chega a 95%. Isso significa que a taxa de exaustão sobre essas pessoas é gigantesca, mas não é só alta, também é prolongada. O Brasil é um dos países que permanece mais tempo com número elevado de casos, isso resulta em médicos trabalhando de forma contínua, exaustiva, muitas vezes dobrando plantões, sem férias e descanso. Isso acarreta efeitos extremamente negativos nesses profissionais. O correto seria que houvesse um diagnóstico dessa situação e um tempo para que essas pessoas fossem tratadas, mas a realidade é que mal há tempo para diagnóstico, quanto mais de retirá-los da linha de frente de combate à pandemia. Quem vai cuidar dos pacientes graves? 

Apesar de lenta, a vacinação tem avançado. Isso tem aliviado as UTIs?

A gente já percebe uma diminuição bastante significativa em pacientes de idades mais avançadas e também em profissionais de saúde. Entretanto, a variante P1 tem nos preocupado bastante, uma vez que temos observado um grande número de profissionais da saúde com infecção, apesar de já terem sido vacinados. O que quer dizer que os cuidados precisam ser mantidos por todos, inclusive pela população que já tomou alguma vacina. Como disse a Organização Mundial da Saúde (OMS), nós só estaremos seguros quando todos estiverem imunizados.

Como a AMIB encara a projeção de uma terceira onda da COVID-19 durante o inverno? A gente já percebe um aumento de casos no Brasil todo e, novamente, as taxas de ocupações das internações estão crescendo. Não sabemos se isso são reflexos dos últimos feriados, em que a população circulou bastante, ou se já é o início de uma terceira onda, o que nos preocupa muito. É uma preocupação maior que a da segunda onda porque estamos partindo já de um patamar de casos muito elevado em que há problemas de estoques de medicamentos fundamentais para pacientes graves. A reserva de analgésicos, sedativos, antibióticos e corticóides ainda é crítica. A piora da pandemia em outros países, principalmente na Índia, dificulta ainda mais a possibilidade de importarmos ingredientes farmacêuticos ativos para vários medicamentos. Corremos o risco de ficarmos em uma situação ainda mais grave do que a que vimos na segunda onda. É importante evitar esse cenário e que a pandemia seja controlada na comunidade com as medidas adequadas que já conhecemos e não dentro de uma UTI.