A cultura do estupro é uma triste realidade no Brasil: a cada 11 minutos, o país registra um caso, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Dados do Ministério da Saúde, colhidos por meio da Lei de Acesso à Informação pelo Universa, apontam as ocorrências de estupro coletivo no país desde 2011. Em 2019, a pasta registrou 5.372 casos: 14 por dia, o que equivale a cerca de um estupro coletivo a cada 100 minutos.
De 2011 pra cá, as notificações desse tipo de crime, bem como violência doméstica, sexual e outras têm crescido no sistema de saúde público e privado. Elas são enviadas para o Sistema de Vigilância de Violência Interpessoal e Autoprovocada, ligado ao Sistema de Informações de Agravos e Informações do Ministério da Saúde.
A psicóloga social Cláudia Natividade explica que todo este cenário está diretamente ligado à cultura machista que reina na nossa sociedade. “Entende-se que as mulheres ocupam esse lugar objetificado de alguém pronta para servir ao homem e isso inclui a sexualidade. O estupro é um ato violento contra uma pessoa, o que é absolutamente inaceitável e que compõe, junto com estruturas machistas, racistas e classistas, sistemas de opressão e controle das mulheres e seus corpos”.
Subnotificação
Quando o assunto é violência contra a mulher, estima-se que os dados sejam subnotificados. Isso porque muitas encontram dificuldades na hora de denunciar ou têm medo. “Nos reconhecemos em posições de vergonha e culpa e isso não tem a ver com nossas atitudes, mas sim com cultura e a sociedade que imprimem conteúdos emocionais e psicológicos nas vítimas. São sempre os mesmos questionamentos: ‘mas o que você estava fazendo lá? ’, ‘por que foi naquele lugar? ’, ‘olha a roupa que estava usando’. Tudo isso são dificultadores para que não haja denúncia. Sendo assim, trata-se de um problema estrutural”.
Cláudia ressalta que faltam medidas punitivas e educativas para acabar com a cultura do estupro no Brasil. “As mulheres enfrentam uma série de entraves, principalmente a de serem colocadas como culpadas pelo ocorrido. Muitas vezes, são desacreditadas pelo próprio sistema de segurança e justiça. Estamos falando de uma violência contra as mulheres num cenário de estupros coletivos, é preciso entender que se trata de uma questão de gênero. Essas medidas são importantes para criarmos processos de conscientização acerca do tema”.
Para diminuir essa triste estatística, a especialista aponta que é preciso um trabalho dentro das instituições de segurança e justiça para que exista uma escuta qualificada às mulheres. “Além disso, enquanto sociedade, precisamos imprimir uma luta social e não admitir que essa seja uma ação que, inclusive, podemos nomear como cultura do estupro”.
Segundo ela, isso nos coloca em um paradoxo de importante reflexão. “Estamos falando de algo que está absolutamente carregado na nossa sociedade e, portanto, também dentro das nossas instituições. Mas a gente precisa falar também da instituição da família, que deve trabalhar junto com outras entidades educativas para compor um processo de conscientização e enfrentamento dessas questões”.