Reza a lenda que uma mentirinha não faz mal a ninguém. Mas, em alguns casos, ela pode se tornar uma compulsão. Estamos falando da mitomania, um adoecimento psíquico que leva a pessoa a mentir constantemente. O quadro é tratado como doença, mas a Organização Mundial da Saúde (OMS) não possui dados oficiais a respeito. Porém, existe uma estimativa de que pelo menos 1 milhão de pessoas sofram desse mal no Brasil.
O psicólogo Leonardo Morelli explica que, muitas vezes, o ser humano acaba por contar uma mentirinha aqui ou ali, mas com o mitômano, isso é diferente. “Ele mente quase que o tempo todo. Cria histórias elaboradas, convincentes e realistas”. O especialista acrescenta que é possível identificar um mentiroso patológico por meio de observação tanto de seu comportamento, quanto de sua linguagem corporal. “Suas relações sociais também podem ser observadas. Normalmente suas histórias são grandes e muito felizes ou muito tristes, onde ele aparece como herói ou vítima”.
Ele ressalta que o mitômano responde de forma elaborada a perguntas rápidas, além de fazer descrições muito minuciosas de detalhes dos fatos – mesmo os mais bobos. “Porém, se questionado mais de uma vez sobre determinado fato, acaba contando versões diferentes”.
Morelli conta que a medicina e a ciência ainda não descobriram o porquê de uma pessoa ser obcecada por mentiras. “Mas sabemos que existem fatores psicossociais envolvidos e que grande parte dos mitômanos sofre de problemas de baixa autoestima, aceitação e que são inseguros”.
A partir disso, entende-se que a mitomania surja da vontade que a pessoa tem de se sentir especial. “Assim, ela acaba inventando histórias e acredita que as pessoas irão considerá-la mais importantes do que são”.
Tipos de mentira
O psicólogo explica como age um mentiroso compulsivo. “Quando um parente próximo faz aniversário e só lembramos no dia seguinte, é comum a gente falar: ‘fiquei de mandar mensagem para você, mas o dia foi tão ocupado que esqueci’, ao invés de: ‘Não te liguei porque esqueci completamente do seu aniversário’”.
Morelli diz que se trata de uma mentira, que é errado, mas que é usada para defesa ou para evitar consequências ruins, como deixar a outra pessoa magoada. “Já os mitômanos mentem por insegurança e por precisarem de histórias que as façam se sentirem melhores”.
Ele acrescenta que o mentiroso compulsivo acaba por acreditar nas próprias mentiras. O que aponta um distúrbio psicológico. “Ele mente sem motivo aparente, como um hábito e não consegue dizer a verdade sobre nada ou quase nada. A verdade o deixa desconfortável”.
Mentiroso compulsivo
Há alguns anos, a estudante de nutrição Larissa Camargo* foi quem alertou os pais de sua então amiga de escola Cecília Mendes* sobre uma possível compulsão por mentiras. “Ela mentia por coisas banais, como o que fez no final de semana. No entanto, em determinado momento, inventou que estava grávida”.
Larissa lembra que a amiga usava a suposta gravidez para se vitimizar em várias situações e que, quando começou a ter desconfiança por parte de seu grupo social, chegou a levar fotos de ultrassom e exames falsos. “Ela estufava a barriga para parecer maior, colocava nossa mão para sentir o bebê mexendo. Era chocante”.
Por fim, preocupada com Cecília, Larissa decidiu contar tudo aos pais dela. “Peguei o telefone, liguei para mãe dela e contei tudo. Das pequenas mentiras a esse absurdo de gravidez. Foi assim que descobri que ela não namorava. Confesso que comecei a ter medo de conviver com ela, porque a gente não sabia o que mais era ela capaz de inventar”.
Tratamento
O psicólogo conclui que a melhor forma de saber se existe ou não o quadro de mitomania é passando por uma avaliação profissional com um psiquiatra ou psicólogo. “O tratamento começa por sessões de terapia. Nela, o profissional irá investigar outras doenças que possam estar associadas à compulsão por mentiras. Em alguns casos, pode ter inclusão de medicamentos”. *Os nomes das personagens foram alterados