“Nem tudo é o que parece” pode soar como um clichê, mas a frase pode muito bem ser usada como um mantra para evitar acreditar em tudo que se lê ou se vê na internet. Isso porque, apesar das notícias falsas, popularizadas como fake news, serem cada mais comuns no cotidiano on-line, o estudo “Iceberg digital”, desenvolvido pela Kaspersky, empresa global de cibersegurança, divulgou que 62% dos brasileiros não conseguem reconhecer uma notícia falsa.
A situação é ainda pior no continente. Em média, 70% dos latino-americanos não sabem identificar ou não têm certeza se conseguem diferenciar se uma notícia na internet é falsa ou verdadeira. No ranking, os cidadãos que menos conseguem reconhecer notícias falsas são os peruanos (79%), seguidos pelos colombianos (73%) e chilenos (70%). Mais atrás estão os argentinos e mexicanos com 66%.
A pesquisa também mostrou que 16% dos entrevistados desconhecem completamente o termo “fake news”, um aspecto em que os peruanos também se destacam, com 47% dos entrevistados alegando que não sabem o que a palavra significa. Por outro lado, os brasileiros são os mais familiarizados com o termo, visto que apenas 2% deles desconhecem a expressão.
“Assim como os icebergs, nem tudo o que vemos na internet é o que parece ser. Nas profundezas do mar, é possível esconder uma enorme massa de gelo capaz de afundar um navio de uma só vez, se acreditarmos apenas no que se vê na superfície. Podemos usar esse exemplo para explicar as fake news, e-mails com links maliciosos, ofertas fraudulentas via SMS e até mesmo imagens que compartilhamos com colegas de trabalho. Ações aparentemente inofensivas podem gerar enormes danos pessoais e profissionais”, explica Fabio Assolini, pesquisador da Kaspersky no Brasil.
Para a comunicadora e professora de jornalismo Christiane Rocha, os altos índices apontados na pesquisa podem ter relação com acesso à educação. “Desde o advento das redes sociais, a partir dos anos 2000, os latino-americanos sempre foram mais influenciáveis e consumidores das informações que circulam nas redes sociais do que outros povos. Isso tem a ver com o menor acesso à educação e, por isso, não conseguem distinguir uma notícia verdadeira de uma falsa”, aponta.
Ainda de acordo com a pesquisa, apenas 2% dos latino-americanos consideram as notícias falsas inofensivas, enquanto a maioria as classifica como perigosas e eventualmente danosas: 72% dos entrevistados acreditam que as fake news viralizam para que alguém receba algo em troca ou para causar dano a algo/alguém. Mesmo tendo essa percepção negativa, apenas 42% dos brasileiros, ocasionalmente, questionam o que leem na web.
Christiane se lembra bem de um caso em que o linchamento público e precipitado acabou em uma grande injustiça. “Existem casos mais antigos e clássicos, como a Escola Base de São Paulo, em que os proprietários e funcionários foram acusados de abusarem de crianças e o local foi fechado. No final, verificou-se que essa situação não era real. E, construir uma reputação é um processo difícil e demorado, já a destruição é muito rápida”, afirma.
Em relação aos que confiam nos conteúdos on-line, as mulheres (49%) superam os homens (42%). O estudo mostrou também que, em média, um terço dos latinos usam apenas as redes sociais para se informar diariamente e apenas 17% procuram notícias em sites da mídia tradicional. Destes, os que utilizam as redes mais vezes com esse propósito são os mexicanos (35%), seguidos pelos brasileiros (33%) e chilenos (32%).
Já que é quase impossível controlar o conteúdo que se recebe na socialização on-line, Christiane aconselha que o leitor desconfie e treine para distinguir o falso do verdadeiro. “Antes de publicar um texto, precisamos lê-lo com calma, porque tem muito conteúdo que vem com palavras misturadas, excesso de pontuação, muitas abreviaturas, erros de concordância e ortografia, adjetivos, juízos de valores, opiniões, títulos estranhos que tendem ao sensacionalismo e informações sem divulgação da fonte. Se a pessoa tem um certo repertório, lê notícias durante o dia, ou acompanha pelo menos um grande portal jornalístico, ela está por dentro de certos assuntos e tem um contexto da realidade para entender que determinados conteúdos são mirabolantes”, esclarece.
Segundo a comunicadora, o leitor também deve verificar se a notícia é assinada por um jornalista e se já foi publicada em portais jornalísticos antes. “Sites que não colocam os autores que escreveram também são suspeitos, entre em um portal jornalístico tradicional que você goste, em que as informações são minimamente averiguadas e procure nas notícias de última hora. Na maioria dos grandes sites, a arquitetura da informação é feita de uma maneira bem fácil para que os últimos acontecimentos sejam visualizados. Faça isso em mais de um espaço. Se não existir ali, comece a desconfiar e não saia replicando. Conheça as fontes também, vá ao Google e veja os nomes citados porque, às vezes, eles nem existem”, conclui.