“Eu não posso morrer. Acabei de ter um filho e ele precisa de mim”, foi a primeira frase que Maria Cláudia Portes, 38 anos, mãe de um recém-nascido de 28 dias, lembra de ter falado ao descobrir um câncer na mama direita. Aos 7 meses de gravidez, a veterinária já havia sentido o seio inchado e dolorido, fez um ultrassom que indicou apenas que a produção de leite havia começado. O resultado adiou o diagnóstico correto que só se concretizou após dolorosas tentativas de amamentar o pequeno Rafael e uma biópsia pedida pela mastologista.
O câncer de mama associado à gestação é definido pelo aparecimento da doença durante a gravidez ou até um ano após o parto. Maria Cláudia habita um universo raro. “Cerca de 1% das mulheres com câncer de mama coexistem com a gravidez. É muito incomum”, explica Clécio Lucena, ginecologista, obstetra, especialista em mastologia e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
E essa raridade começa pelas condições, já que o câncer de mama é uma doença causada pela multiplicação desordenada das células da mama. O professor explica que essa desordem gera células anormais que se multiplicam e formam um tumor, acontece que esse processo é alimentado, na maior parte dos casos, por hormônios femininos e um dos momentos de produção mais intensa de hormônios da mulher é justamente durante a gestação.
“Considerando que o tratamento pode envolver até quatro estratégias (cirurgia, quimioterapia, hormonioterapia e radioterapia), a maioria dessas etapas tem como restrição o fato de a paciente estar grávida. A mulher, diagnosticada no início da gravidez, deve evitar a quimioterapia no primeiro trimestre, já a radioterapia é contraindicada em qualquer época e a cirurgia pode ser feita em qualquer fase”, esclarece Lucena.
“Quando descobri a doença não conseguia amamentar mais e, no fim das contas, foi libertador porque fazia muita questão, então sofria”, conta Maria Cláudia. Hoje, o Rafael tem 1 ano e cinco meses e é o principal parceiro da mãe numa nova luta. “Pouco tempo depois, fui fazer uma mastectomia do outro lado e foi constatado um novo câncer. Comecei o tratamento e neste tenho passado mal”.
O cenário de uma gravidez concomitante ao câncer é tão delicado que, em última hipótese, a interrupção da gravidez é considerada. “Do ponto de vista legal, quando há um risco de vida para mãe, a prática é autorizada. Se há condições, o tratamento é postergado, mas, no caso de uma mulher que precisa de quimioterapia, retardar o início desse tratamento impõe um grande risco de vida e o aborto é uma das possibilidades”.
A sugestão de um aborto foi o que a bancária Ana Beatriz Schmidt, 34 anos, ouviu do primeiro mastologista que a diagnosticou com câncer de mama. “Eu tinha um bebê de 7 meses e descobri uma nova gravidez. Estava amamentando quando, mexendo na minha mama, achei um carocinho”. Ana já era mãe de dois meninos e esperava, há dois meses, uma menina. “Falei que não iria abortar e assumiria todos os riscos. Troquei de mastologista, encontrei uma que aceitou me tratar grávida e fiz meu tratamento”, conta.
Ana esperou os primeiros 3 meses da gravidez e foi com Louise ainda na barriga, com 16 semanas, que realizou sua cirurgia de mastectomia total da mama direita. “Tive um pós-operatório bem dolorido porque grávida não pode tomar remédios fortes. Então, foi praticamente a base de Tylenol, mas não me arrependi”. Cinco meses depois, de parto normal, nasceu Louise pesando 4kg e completamente saudável. Ainda hoje, a mãe embarga a voz ao tentar explicar a sensação, mas resume em: “Um alívio indescritível”.
Para a bancária, nem ouvir seu diagnóstico de câncer, perder os cabelos ou a mama foram momentos tão difíceis quanto a fase que viria: a amamentação. “O aleitamento materno é contraindicado. Na época da amamentação, a mama recebe uma carga hormonal e de estímulo de preparação para produção do leite muito acentuada. Também tem o fato dela estar em recuperação pós-operatório ou ter usado uma série de remédios que podem passar para o leite materno e acabar afetando a criança”, explica Lucena.
Determinada a não abrir mão de amamentar a filha, meses antes do parto, Ana e a equipe que a acompanhava avaliaram quanto tempo a medicação da quimioterapia levaria para sair do seu corpo e o período que ela poderia adiar para reiniciar o tratamento: 25 dias de amamentação foram negociados.
A primeira sessão da volta estava marcada para uma segunda-feira, às 13h. A mãe ignorava o relógio. “Já era 13h e ainda estava com ela na minha cama amamentando e chorando porque sabia que nunca mais ia amamentar minha filha. Em 2 anos de câncer foi o dia que mais chorei. Tive que tomar o remédio para secar meu leite”, lembra.
A última quimioterapia de Ana foi há um ano e meio, no próximo mês fará sua quarta cirurgia – vai retirar os ovários e o útero por prevenção – e, pelos próximos 5 anos completará sua hormonoterapia. Hoje, ela tem sua própria rede de inspiração a mães e pacientes de câncer de mama. “Sempre dizia que tinha um tumor dentro do meu peito querendo me matar, mas havia vida crescendo no meu ventre querendo sobreviver ao mesmo tempo. Resolvi olhar para vida”.