No Brasil, o número de crianças para adoção é menor que a quantidade de candidatos e, do total, poucas estão aptas para encontrar um novo lar. Segundo os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), existem 36.926 pessoas na fila para adotar, fora os 296 estrangeiros que também aguardam, e há mais de 4.500 crianças disponíveis. A conta poderia até proporcionar um final feliz, mas as exigências solicitadas pelos pretendentes são incoerentes com a realidade dos abrigos.
A lista de requisitos é enorme: a idade está no topo, a maioria quer crianças de até 3 anos (7.447 indicações) – sendo que existem apenas 55 cadastradas, a maioria está no grupo de 8 a 15 anos. Outro fator é a cor, mais de 7 mil adotantes aceitam apenas crianças brancas – porém a maioria é parda e tem irmãos. Os problemas de saúde também prejudicam a saída da criança a adoção, 29,96% das crianças disponíveis tem algum tipo de doença, desde HIV até deficiência mental.
A região Sudeste é onde tem mais crianças disponíveis para adoção, são mais de 2 mil. Este ano, até o mês de fevereiro, o CNJ informou que 53 crianças foram adotadas. Para saber mais sobre esse assunto, o Edição do Brasil conversou com a assistente social e membro da diretoria do Grupo de Apoio à Adoção de Belo Horizonte (GAABH), Kenya Carvalho. O GAABH é um dos 124 grupos de apoio à adoção que existe no país e integra a Associação Nacional do Grupos de Apoio à Adoção (ANGAAD).
Quem são as pessoas que procuram o grupo de apoio?
O GAABH atua gratuitamente atendendo as famílias que já adotaram, os pretendentes à adoção – que estão aguardando o processo e estão habilitadas. E, também, as pessoas que estão interessadas em adotar, mas tem muitas dúvidas sobre o assunto e, por fim, a comunidade e quem se interessa pelo tema, pois as palestras e encontros são abertos ao público. Esse movimento nasceu em 2010, por meio de mães e pais que tinham dúvidas sobre adoção. Oficialmente, o estatuto foi criado em 2012. Agora, estamos tentando nos aproximar ainda mais das questões burocráticas para receber apoio financeiro e realizar mais trabalhos. O grupo tem vários projetos e cresceu muito, mas falta investimento.
Quais são as principais dificuldades encontradas na hora de adotar uma criança?
Não vejo como uma dificuldade, mas sim como um desafio. Hoje, existem muitas crianças institucionalizadas (que estão em instituições sob tutela do Estado), só que nem todas estão aptas para adoção, pois o sistema, primeiramente, tenta reintegrá-las a família de origem e esse processo é longo. Quando as crianças não retornam – o que ocorre na maioria das vezes –, em certos casos, por exemplo, a criança está com 4 anos e quando chega a sentença, ela já completou 8 anos. Com isso, ela ultrapassa a idade que existe no imaginário das pessoas que estão aguardando. Ela sai do perfil que percebemos nos pretendentes – a preferência por crianças de até 5 ou 7 anos. Claro que existem outros perfis que são compatíveis com a adoção tardia. Mas, para mim, esse é o maior desafio, pois temos muitas crianças, mas elas não estão no perfil dos pretendentes quando se tornam aptas para adoção.
Em relação a entrega de crianças ilegalmente, as pessoas precisam ter noção da dimensão da legitimidade da adoção. Esse tipo de ação dificulta o nosso trabalho e das Varas da Infância, pois as pessoas acham que demoram muito, mas o tempo de espera é necessário para que a ideia amadureça e que se entenda os desafios e delícias de constituir uma família. Existe uma burocracia por um motivo saudável e legítimo. Dependendo do perfil da criança você tem uma espera de 6 meses a 4 anos.
O preconceito ainda é grande?
Ainda existe preconceito, na verdade, não sei se essa seria a palavra correta para descrever a situação, pois existe o sonho, o ideal de cada um. Nós, do grupo de apoio, sempre buscamos eliminar esse preconceito, tanto para com essas crianças mais velhas, quanto com a própria questão da adoção, pois o nosso foco maior é disseminar essa nova cultura para que a sociedade entenda que essa é uma constituição de familiar como qualquer outra, só não é biológica.
Ainda vemos pessoas que tem vergonha de falar que foi adotado ou que adotou. E ainda ouvimos na sociedade aquele termo “filho de criação”, nós tentamos acabar com isso, pois filho é filho, pai é pai, mãe é mãe.
Quando uma criança é adotada, existe algum trabalho de acompanhamento? É importante que a família também procure por apoio?
O grande desafio que observo nas Varas da Infância é o acompanhamento no pós-adoção, pois são poucos técnicos que atuam em vários setores relacionados às crianças e adolescentes para muitos processos. Existe uma certa impossibilidade deles acompanharem isso. Mas, existe um período chamado estágio de convivência que está na legislação e é feito de acordo com a idade da criança. Por exemplo, se for recém-nascido, esse processo finaliza com 2 ou 3 anos. Mas não é um acompanhamento terapêutico, é apenas pontual. Marca-se uma data para visita e verifica-se. O processo voltado para o cotidiano não é feito pelo Governo, mas se existe a necessidade, as famílias podem procurar a Vara da Infância e os grupos de apoio. Temos muitas famílias que nós acompanhamos há muito tempo. Isso é importante e positivo para as crianças, pois podem ter contato com outras que estão inseridas na mesma constituição familiar não biológica. Às vezes, a Vara encaminha famílias para gente e temos conversado com os técnicos, no sentido de ser algo mais frequente. Temos um projeto de pós-adoção com acompanhamento terapêutico, mas por causa da falta de verba não conseguimos colocar em prática e, também, não temos uma sede, pois usamos um espaço cedido – que não nos permite muitas ações.
O número de crianças com mais de 10 anos é muito grande. Existe algum trabalho de estímulo à adoção tardia?
Nós estimulamos esse tipo de adoção, mas respeitamos o ideal de cada um, pois não adianta eu ter um sonho de ter aquela vivência de trocar fralda e dar mamadeira e, de repente eu mudo de ideia e opto por uma criança mais velha só porque é mais rápido –, assim a pessoa não terá o sonho realizado. Incentivamos e apresentamos o lado bom de ambas as coisas. E mostramos que tem muita criança que é linda, bacana, legal, pronta para amar e ser amada esperando alguém para conhecê-la.
Qual é o destino do adolescente que completa 18 anos no sistema?
Ele sai do sistema automaticamente e é encaminhado para outra instituição que acolha a idade dele. E dependendo da instituição de acolhimento e também do jovem é realizado um trabalho que incentiva a emancipação. Muitos são direcionados para programas de primeiro emprego e preparados para o mercado de trabalho, por meio de cursos, independentemente deles irem para uma família ou não. Contudo, já acompanhei casos de jovens que foram adotados após os 18 anos, mas é raro.
Qual é o maior objetivo do GAABH?
É fortalecer a cultura da adoção. Trabalhamos em prol do interesse das crianças que precisam. O grupo vem com esse propósito, tanto para as crianças institucionalizadas – que primam por uma família, quanto para aquelas que já estão em família e precisam do apoio e da aceitação da sociedade. É difícil ser família num mundo que não tem mais tanto amor e que existe uma desvalorização do convívio familiar. Nós atuamos pela família, pelas constituições familiares, pelo pleno direito da criança e do adolescente viver em família e ter tudo que tem direito. Nossa maior vontade é que toda criança tenha a sua família e que essa família seja respeitada e incluída em todas as esferas da sociedade. Esse é o sonho que trabalhamos para realizar todos os dias.
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