Segundo balanço das operações realizadas pela Polícia Federal (PF), Defensoria Pública da União (DPU), Ministérios Público do Trabalho (MPT), Federal (MPF), Trabalho e Emprego (MTE) e Polícia Rodoviária Federal (PRF), 2.077 pessoas foram resgatadas em trabalho análogo à escravidão no primeiro semestre deste ano no Brasil. Em agosto, foram 532 resgates, sendo Minas Gerais o estado com mais vítimas (204), seguido por Goiás (126), São Paulo (54), Piauí (42) e Maranhão (42).
Para entender mais sobre o assunto, o Edição do Brasil conversou com Lívia Mendes, que é professora de Direito do Trabalho e coordenadora da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e presidente da Comissão de Enfrentamento ao Trabalho Escravo Contemporâneo da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais (OAB/MG).
O que caracteriza o trabalho análogo à escravidão?
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, trabalho em condições análogas à escravidão acontece quando se verifica: trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes de trabalho ou submissão à jornada exaustiva. É importante destacar que basta a ocorrência de uma dessas quatro hipóteses para que o crime seja configurado.
O que falta no país, em questões de condições, para obtermos um número menor de casos?
Estrutura. Sabemos que a maioria das vítimas são homens, pretos e pardos, entre 18 e 34 anos, que são oriundos de regiões do país com baixo índice de desenvolvimento humano e que completaram, até no máximo, o 5º ano do ensino fundamental. Sendo assim, é necessário que haja políticas públicas que possam efetivamente garantir o acesso dessas pessoas à saúde, educação e saneamento básico, para que elas possam ter uma perspectiva de vida que não as leve a se submeterem a qualquer tipo de trabalho.
Em sua opinião, quais são os fatores que explicam os altos índices em Minas Gerais?
Nos últimos 10 anos, o Estado foi o que mais resgatou pessoas, porém, isso não quer dizer que Minas Gerais seja o que mais escraviza ou que mais tenha trabalhadores nessa situação. Diante de uma conjuntura de fatores, Minas vem liderando esse ranking, dentre eles, podemos citar a existência de um grupo específico de fiscalização que trabalha com a temática, formado por auditores fiscais especializados e que existe desde 2003.
Podemos mencionar também que, embora o número de profissionais esteja defasado em todo o Brasil, Minas ainda é um Estado que conta com um contingente significativo na ativa, o que permite que sejam feitas várias operações e isso faz com que o índice seja alto. Se a gente for olhar os números de ações realizadas em Minas, normalmente, é o dobro feita pelo segundo Estado que aparece no ranking.
Quais são os cuidados que o trabalhador precisa ter para não se encontrar nessa situação?
Ele deve desconfiar de promessas que parecem muito boas, como salários extremamente altos ou condições de trabalho que sejam muito fora da normalidade. O trabalhador deve confirmar onde será a prestação do serviço e sempre deixar o contato de onde estiver para os familiares e amigos.
Como a prática de escravidão na área urbana se diferencia da rural?
A principal diferença diz respeito às tarefas e às condições de trabalho. No campo, as atividades relacionadas, aqui em Minas, são com a carvoaria, café e agricultura, e nas cidades são com a construção civil, trabalhos domésticos, prestação de serviço, dentre outros.
Qual é a importância das denúncias?
São de extrema relevância para descobrir onde existe a prática do trabalho escravo no Brasil. É por meio das denúncias que a fiscalização consegue localizar e chegar até essas pessoas. A conscientização da população sobre o assunto, através da divulgação de casos na mídia, debates e do acesso à informação, faz com que tenhamos um aumento no número de fiscalizações e resgates. O canal oficial para realizar a denúncia é o Sistema IP do MTE, mas também pode ser feita via Disque 100 ou pelos canais do MPT.