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Mais de 18 milhões de mulheres sofreram violência em 2022

Todas as formas de agressão apresentaram crescimento acentuado – Foto: Freepik

Conforme a quarta edição da pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto Datafolha, em 2022, 28,9% das mulheres (18,6 milhões) relataram ter sido vítima de algum tipo de violência, a maior prevalência já verificada na série histórica. Em relação à última pesquisa, o crescimento foi de 4,5 pontos percentuais.

Em comparação com as edições anteriores, todas as formas de agressão contra a mulher apresentaram crescimento acentuado. Os resultados do estudo mostraram que 11,6% das entrevistadas foram vítimas de violência física no ano passado, o que representa cerca de 7,4 milhões de brasileiras. Entre as outras formas de ataques citadas, as mais frequentes foram as ofensas verbais (23,1%), perseguição (13,5%), ameaças de violências físicas (12,4%), ofensas sexuais (9%), espancamento ou tentativa de estrangulamento (5,4%), entre outros.

Para entender mais sobre esses dados, o Edição do Brasil conversou com Ludmila Ribeiro, pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública e professora do Departamento de Sociologia, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Todas as formas de violência contra a mulher apresentaram crescimento no ano passado. Em sua opinião, o que está relacionado a esse aumento?
Dois fatores explicam o aumento das formas de violência contra a mulher. O primeiro é uma maior conscientização sobre a importância da denúncia, especialmente esquematizado no período da crise sanitária, em que foram criados vários mecanismos para denúncia on-line. E segundo, o próprio tensionamento do período pandêmico, ou seja, esse momento acirrou bastante os laços de convivência em âmbito doméstico, o que reverberou em mais casos de agressões.

Segundo a pesquisa, as mulheres que foram vítimas de violência relataram ter sofrido quatro agressões ao longo do ano, mas entre as divorciadas a média foi de nove vezes. O que pode explicar esse dado?
O fato de as mulheres divorciadas terem mais chances de sofrerem agressões está relacionado a nossa cultura patriarcal, em que o homem muitas vezes se vê como proprietário e detentor do corpo feminino. Assim, quando ela decide romper o vínculo conjugal, é vista como um ser discrepante da sociedade, ou seja, uma pessoa que pode ser violentada, porque se insurgiu contra esses padrões de convivência. E é exatamente por isso que esse grupo acaba sofrendo mais violência.

As mulheres negras, de baixa escolaridade, com filhos e divorciadas são as que mais sofreram a violência psicológica. Por que esse perfil é a principal vítima?
As mulheres negras, de baixa escolaridade, com filhos e divorciadas são as que mais sofreram violência psicológica, por parte de um parceiro íntimo, em razão da maneira como se organizou a nossa história. O corpo negro é visto como uma estrutura física que está sempre a serviço de brancos ou dos homens. As mulheres com baixa escolaridade são aquelas que têm a maior dificuldade em entender que estão sofrendo uma agressão. Então, o que tem acontecido nos últimos anos é o fato de que agora elas estão nomeando essas ações, das quais
são vítimas, como violência.

A maioria das mulheres que sofreram violência, e responderam à pesquisa, diz que não tomou nenhuma atitude após ter sofrido a agressão mais grave (45%). O que pode ser feito para mudar esse cenário?
O grande problema da violência contra a mulher é que muitas das vezes o único canal que é apresentado a elas é a denúncia ou o registro policial e essas medidas não são capazes de acolher e ajudar essas vítimas que estão em uma situação de vulnerabilidade. O ideal seria algo além dessas ações, para que elas pudessem ser acolhidas, que se sentissem efetivamente auxiliadas, amparadas por uma série de serviços de tal maneira que possam identificar prontamente quando essas agressões começam a acontecer e evitar que se tornem ainda mais graves.

Qual é a principal política pública que os governantes podem fazer para diminuir esses índices?
A principal política que qualquer governo pode implementar é a mudança do que é ensinado para os meninos e as meninas, desde mais tenra idade, sobre o que é o masculino e o feminino. O masculino, em contos de fadas ou mesmo nas escolas, é ensinado como ser violento, forte, que impõe sua vontade na base do grito ou com o uso da força física. Enquanto, o feminino é ensinado como a se sujeitar, não tendo desejos, e a se subsumir, do ponto de vista da subjetividade, a algo que o masculino ordena. É muito importante que a gente mude um pouco essas ideias na nossa comunidade para que possamos construir outras maneiras de sociabilidade.

Você acredita que a tendência é esses números aumentarem ou diminuírem em 2023?
Não há na pesquisa nenhum número que indique tendência de arrefecimento da violência contra a mulher nos próximos anos, mesmo porque, o que a gente tem é cada vez mais um
movimento que vai reforçar esses padrões de masculinidade e feminilidade. Na questão das políticas públicas, muitas ações vão sugerir que a única forma de lidar com esse problema é a denúncia, por meio do registro policial, com a punição do indivíduo, que por muitas vezes, é encarcerado. O que não resolve a situação, porque uma vez fora da prisão, esse homem que não entendeu que o seu ato é uma agressão de gênero, provavelmente irá vitimizar outras mulheres. Precisamos criar políticas voltadas para o entendimento, por parte desse agressor, que ele realiza uma violência e como mudar essa dinâmica. Por parte da vítima, que ela possa ser capaz de denunciar, tenha mais acolhimento e seja amparada pela sociedade e agências públicas.