“Kit gay”, “defesa do incesto” e “legalização da pedofilia” são só alguns dos exemplos de fake news que circularam pelas redes sociais, especialmente no WhatsApp, nas eleições de 2018. Passados 2 anos, e em um período particularmente difícil, o Brasil já tem data para seu próximo processo eleitoral democrático: 15 de novembro. Entretanto, em relação às barreiras contra a propagação de notícias inverídicas na internet, pouco se avançou. O Congresso Nacional ainda trabalha na investigação de informações falsas propagadas durante o pleito passado e as próprias plataformas digitais vêm criando, lentamente, mecanismos para inibir a disseminação de mentiras. Mas, para Flávio Nigro, professor especializado em direito virtual, muito dessa apuração ainda depende do próprio eleitor.
O que aprendemos com as eleições passadas sobre fake news?
O caso mais emblemático seria o envolvimento da Cambridge Analytica, empresa de análise de dados que teve sua equipe atuando na campanha eleitoral de Donald Trump, em 2016. A companhia foi acusada de ter comprado o acesso a dados pessoais de usuários do Facebook. Com essas informações, a empresa criou um sistema que permitiu influenciar na escolha dos eleitores nas urnas. Deste modo, conseguimos perceber alguns cuidados para evitar sermos alvo de fake news. Um exemplo são as mídias digitais, em especial com os nossos dados pessoais, além da preocupação de não permitir uma onda de desinformação.
Em relação à propagação de mentiras sobre temas e/ou candidatos no último pleito, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) agiu?
Muitas dessas representações que chegaram ao TSE ainda estão sendo objeto de análise. Ou seja, ainda não foram julgadas. O que mais marcou para a Corte é a necessidade de eficiência dela no sentido de dar uma resposta mais rápida e num menor tempo possível. Exatamente para que a imagem dos candidatos não ficasse comprometida. Tivemos várias liminares, por exemplo, em que o TSE determinou que o Facebook mostrasse a identificação dos números dos IP’s das conexões usadas pelos candidatos nas redes sociais para que fossem detectados autores de notícias falsas. Atitude muito eficaz da parte do Tribunal. Após identificação, houve liminares de representações para retirada de conteúdos mentirosos da internet que estavam provocando discurso de ódio nas eleições de 2018.
Quais são as principais mudanças para acabar com as notícias falsas nas eleições municipais deste ano?
A consciência ética e a fiscalização da administração pública seriam, de imediato, soluções em curto prazo para combater a disseminação de notícias falsas e do discurso de ódio nas eleições municipais. Porém, são muitos os desafios e, sem o compromisso ético com a democracia e a transparência, dificilmente encontraremos uma solução eficaz. Existem algumas propostas, como restrição de propagandas eleitorais no Facebook e Google, só que essa é uma questão complicada porque quando você restringir a veiculação de alguns materiais, devido ao argumento de que pode haver discurso de ódio, esbarra numa zona cinzenta que é a questão da liberdade de informação. No meu ponto de vista, são necessárias iniciativas das plataformas para garantir integridade do conteúdo.
Existe algum país que seja exemplo no combate às fake news durante eleições que pode ou deve ser copiado?
Existe o exemplo da Finlândia. O país investe nas premissas básicas do conhecimento humano. A propagação de discursos de ódio já é combatida nas escolas primárias. Esse processo, com base em ensino do pensamento crítico, faz com que o aluno comece desde cedo a moldar um tipo de reflexão que evita o comportamento de tomar iniciativas a partir de notícias falsas. Esses jovens aprendem que não é possível confiar em qualquer informação nas redes sociais. E o mais curioso é que, na Finlândia, não é usada inteligência artificial ou ferramentas avançadas para fazer esse mapeamento. Simplesmente é um projeto que tem iniciativa na base do conhecimento, no qual a criança é instigada a pensar, conhecer e buscar informação a todo custo, o que a permite aprender por meio de uma formação crítica a ser mais criteriosa com o processo de decisão.
Quais são as principais orientações para checar se um post ou mensagem nas redes sociais é verdade ou mentira?
Utilizar mais que um veículo de publicação e selecionar aqueles de alta circulação e confiabilidade. É bom também verificar se a notícia circula em mídias internacionais. Existem, inclusive, ferramentas como a “fake check”, que utiliza a inteligência artificial para certificar se o fato é verídico ou fake. Outra dica é ficar atento ao título, pois as notícias falsas possuem manchetes chamativas e sensacionalistas para prender os leitores e chamar sua atenção. Por isso é sempre bom desconfiar de exageros e de informações extremistas ou vagas. E, acima de tudo, não ficar compartilhando conteúdo que há indícios de ser falso. É sempre importante que se faça uma checagem.