A pesquisa “Medo, ameaça e risco: percepções e vivências das mulheres sobre violência doméstica e feminicídio”, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e pela empresa Consulting do Brasil, revelou que 21% das entrevistadas já foram ameaçadas de morte por seus atuais ou antigos parceiros. Além disso, 61% das participantes conhecem alguma mulher que passou por essa situação.
As mulheres negras (25%) e pardas (19%) são as principais vítimas. Outro dado alarmante é que 3% das respondentes foram ameaçadas por mais de um parceiro. Para abordar o tema, o Edição do Brasil conversou com a jornalista e diretora de conteúdo do Instituto Patrícia Galvão, Marisa Sanematsu.
Diante dos dados da pesquisa, como você avalia a efetividade das políticas existentes para proteger essas mulheres?
Desde a criação da Lei Maria da Penha, o país avançou significativamente no desenvolvimento de serviços voltados para acolher e proteger mulheres em situação de violência doméstica e risco de feminicídio, como delegacias e juizados especializados, centros de referência e unidades da Casa da Mulher Brasileira. O problema é que esses serviços estão concentrados apenas em capitais e municípios de maior porte, deixando desassistida grande parte da população feminina. Além disso, muitas dessas estruturas apresentam deficiências, e o despreparo de servidores, especialmente em delegacias comuns e tribunais de justiça, dificulta o enfrentamento adequado da violência doméstica e a avaliação do risco de feminicídio.
Nove em cada dez mulheres acreditam que todo feminicídio pode ser evitado com o apoio do Estado e da sociedade. Quais medidas poderiam ajudar a reduzir esses índices?
É essencial incentivar as mulheres a buscarem ajuda e não enfrentarem essas situações sozinhas. O apoio da família e dos amigos é fundamental. Para romper com a relação abusiva, é imprescindível que elas procurem ajuda na polícia e na justiça, fazendo denúncias e solicitando medidas protetivas. Por sua vez, o Estado deve estar preparado para acolhê-las e atender às suas necessidades de maneira eficiente.
Muitas mulheres não acreditam que a Justiça e a polícia levem a sério as denúncias de violência e ameaça. O que pode ser feito para aumentar a confiança nessas instituições?
A polícia precisa priorizar as queixas das mulheres, realizando uma avaliação precisa do risco que elas enfrentam. No entanto, devido à escassez de pessoal e problemas estruturais, os agentes frequentemente hierarquizam denúncias, deixando casos de violência doméstica em segundo plano. A justiça também precisa ouvir mais atentamente as mulheres e considerar o risco real ao conceder medidas protetivas de urgência. Além disso, a notificação e o monitoramento do cumprimento dessas medidas são frequentemente negligenciados, expondo as vítimas a maiores perigos. Desde 2021, tornou-se obrigatória a aplicação do Formulário Nacional de Avaliação de Risco, que inclui 27 perguntas para identificar o histórico de violência, a vulnerabilidade da vítima e o potencial do agressor em agravar o risco de feminicídio.
A dependência econômica do agressor é apontada como um dos principais motivos para a permanência em relações abusivas. Como ajudar essas mulheres a romperem o ciclo de violência?
Para sair de uma relação abusiva, as mulheres precisam de assistência social e psicológica que fortaleça sua autoestima e independência. É necessário também oferecer capacitação para que elas possam empreender ou desenvolver novas habilidades, garantindo autonomia financeira e emocional para seguir em frente, sozinhas ou com seus filhos.
As entrevistadas consideram que campanhas podem estimular a denúncia e prevenir o feminicídio. Como essas iniciativas podem ter um maior impacto na sociedade?
As campanhas devem divulgar informações sobre os direitos das mulheres, reforçando que ameaças não devem ser subestimadas e que elas não precisam enfrentar o problema sozinhas. É essencial que essas iniciativas encorajem as mulheres a buscar apoio de familiares, amigos e serviços especializados. A mídia desempenha um papel crucial na divulgação de leis e direitos. As redes sociais devem contribuir na mobilização da sociedade contra a violência de gênero e não deveriam estar sendo utilizadas para reforçar preconceitos e estimular o ódio, muito menos para praticar mais violências contra as mulheres.