De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva, as famílias da classe C, que ganham entre R$ 5,2 mil e R$ 13 mil mensais, gastam em média um terço, o equivalente a 33,3%, dos rendimentos com alimentação. Da classe B, com ganhos de R$ 13 mil a R$ 26 mil, o percentual da renda comprometida com esse segmento cai para 13,2%. Já entre R$ 1,3 mil e R$ 5,2 mil, classificados como classes D e E, mais da metade do dinheiro recebido mensalmente (50,7%) é gasto com comida.
A classe C, segundo o estudo, representa aproximadamente 109 milhões de pessoas no Brasil, sendo a maioria negras (60%). Quase metade dessas famílias são chefiadas por mulheres (49%) e 52% dessa população não concluiu o ensino médio. Para esse grupo, os benefícios como vale-refeição e vale-alimentação representam, em média, entre 3% e 8,5% dos gastos com alimentos. Para as classes D e E, esses benefícios chegam a cobrir 33% dessas despesas.
O economista Ricardo Paixão explica que esse fato se deve a inflação elevada. “Ano passado fechou em torno de 10%. Isso fez com que vários produtos, principalmente da alimentação, pesassem no bolso das famílias. Com os preços altos, salários sendo corrigidos abaixo da inflação, sem ter ganho real, esse segmento tem cada vez mais impacto no orçamento”.
Poder de compra
Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, explica que nos últimos anos, em um processo agravado pela pandemia da COVID-19, houve perda do poder de compra dessas famílias. “Há cinco anos, com 40% do valor de um salário mínimo dava para comprar uma cesta básica. Hoje, é 59%. Ou seja, o poder de compra de alimentos e dos itens básicos diminuiu”.
Paixão ressalta que quem recebe menos tem um impacto maior, porque não tem muita margem para outras aquisições. “Não tem de onde cortar e o consumidor compra menos produtos, além de ter dificuldades para adquirir itens básicos de alimentação. Quem ganha mais um pouco pode evitar de ir ao shopping no final de semana, decide não consumir um determinado produto para concentrar renda e obter essas mercadorias. Agora quem recebe um salário menor não tem essa possibilidade”.
O economista esclarece que o governo anunciou um aumento real do salário mínimo acima da inflação. “Essa é uma boa estratégia para tentar recompor algumas perdas que o salário teve ao longo dos últimos anos. É claro que não pode ser somente essa medida, mas um conjunto de ações articuladas que vai fazer com que o trabalhador tenha um ganho real e possa consumir. Temos que ver também a possibilidade de conter o aumento de preços de alguns produtos, criar políticas públicas para abastecer o mercado interno e evitar uma elevação muito significativa dos preços”.
Ele finaliza destacando que vai começar a ter um pequeno efeito no orçamento com esse acréscimo do salário mínimo. “Para os próximos meses, a gente prevê um pouco de dificuldade para as famílias, mesmo com esse ganho real. Não é só esse aumento que vai resolver a situação, precisamos de um pouco mais de tempo para poder ter uma recomposição significativa”.
Endividamento
Conforme o estudo, oito em cada dez famílias da classe C têm dívidas em aberto, sendo que uma em cada três está inadimplente. De acordo com Meirelles, muitas vezes as dívidas são contraídas como forma de garantir o consumo de itens básicos. “Quando o salário acaba e o mês não, esse grupo, que tem cartão de crédito, vai ao supermercado ou na farmácia e compra a mercadoria para ganhar 20 dias para pagar”.