Home > Destaques > Racismo no Brasil: por que isso ainda é uma realidade?

Racismo no Brasil: por que isso ainda é uma realidade?

O racismo precisa ser visto sobre diversos aspectos, como social, religioso, político, cultural e geográfico / Foto: Pixabay

Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que foram registradas quase 20 mil denúncias de crimes raciais no Brasil em 2021. Em média, mais de 50 casos por dia. As vítimas são crianças, jovens, adultos e idosos. O país avançou pouco para combater os ataques contra a população negra, que podem acontecer na escola, no trabalho, no comércio e na vizinhança. Além desses e de outros locais, está cada vez mais comum que o agressor também se aproveite do ambiente virtual para ficar no anonimato. Sobre o assunto, o Edição do Brasil conversou com Alexandre Braga (foto), mestrando em Direito e presidente da União de Negras e Negros Pela Igualdade de Minas Gerais (Unegro/MG).

Por que ainda existe desigualdade racial no país?
Isso está na raiz do Brasil desde o seu descobrimento. Quando os europeus chegaram a essa terra, já havia indígenas e uma população negra habitando aqui. E, durante todo o período colonial brasileiro, a escravidão se fez presente e foi uma base de sustentação do sistema econômico e social da época. Eles eram escravizados e forçados a trabalhar na exploração de recursos, como açúcar e ouro. Em 1888, houve o fim da escravidão, mas sem que fossem criadas políticas públicas efetivas de inclusão para dar-lhes empregos, moradia, comida e assistência social. Desde então, começou a desigualdade que conhecemos hoje em dia. Isso significa que os brancos sempre foram donos e estão no topo das estruturas de poder.

Na sua avaliação, por quais razões o Brasil ainda não conseguiu acabar com o racismo?
O problema está na estrutura do país. É a discriminação contra uma pessoa por conta de ela pertencer a um determinado grupo racial ou étnico. O racismo precisa ser visto sobre diversos aspectos, como social, religioso, político, cultural e geográfico. Na prática, a população negra sempre foi tratada com inferioridade e como cidadãos de segunda classe. No período da colonização brasileira, a escravização de indígenas e negros se deu justamente pela concepção de inferioridade atribuída pelos colonizadores a esses grupos. Eles acreditavam ser necessário implementar um processo civilizatório para ensinar esses povos a viverem a partir do modelo de vida europeu. Essa imposição de uma cultura sobre a outra e a inexistência de direitos para os grupos negros e indígenas durou cerca de quatro séculos, fazendo permanecer a visão de inferioridade desses grupos, mesmo após a abolição da escravidão no Brasil.

Quais leis protegem contra o racismo?
Pesquisas recentes mostram que pouquíssimos brasileiros que praticaram este tipo de crime foram condenados por racismo, mas sim por injúria racial. Isso porque o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o crime de injúria racial (artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal) configura um dos tipos penais de racismo (previsto pela Lei 7.716/1989) e é imprescritível.

Existe um discurso de “somos todos iguais”. Isso ajuda no combate ao racismo?
A campanha de “somos todos iguais” não consegue dar conta do tipo de racismo que vivenciamos no Brasil. Ela não funciona, pois, não expõe as diferenças por conta da cor de pele. Existe uma espécie de apartheid no Brasil. Para colocar o país na luta antirracista, precisamos enfatizar as discrepâncias entre brancos e negros, no sentido de acesso à educação pública de qualidade, saúde, moradia, saneamento e serviços básicos. Acontece até mesmo nos espaços culturais, como temos observado casos de racismo nos estádios de futebol. Já no mercado de trabalho não vemos muitos negros ocupando cargos mais altos ou sendo donos de negócio. A luta contra o racismo é de toda a sociedade. Nós seremos todos iguais quando os cidadãos privilegiados reconhecerem seus privilégios e lutarem contra a exclusão de outros grupos sociais e para que eles tenham acesso a direitos que lhes foram constantemente negados.

Você acredita que o mercado de trabalho é desigual entre negros e brancos?
Sim, um trabalhador negro recebe menos que um branco na mesma função e com a mesma formação técnica. Além disso, as ocupações não são igualitárias. Os negros estão na base das profissões menos valorizadas, como motoristas, faxineiros, domésticas, garis e porteiros. Essas ocupações são menos valorizadas não só no sentido profissional, mas na questão do poder financeiro, da capacidade de comprar alimentos e pagar por uma boa moradia. Sem dinheiro para isso, os negros vão morar nas periferias, favelas e palafitas dos grandes centros urbanos, longe do convívio social dos demais membros da sociedade.

Como seria possível mudar esse cenário?
Não basta não ser racista. É preciso um passo mais a frente, que é o der ser antirracista. Nós só vamos mudar quando toda a sociedade, que inclui empresas, governos e cidadãos, fizerem um pacto pelo seu fim. Isso implica em aumentar as ações do Estado nas políticas para negros, investir mais em educação, cultura, saúde, assistência social e outros programas. Quando tivermos uma elite engajada e interessada em acabar com o racismo poderemos avançar na solução deste problema. Por isso, a importância de eleger políticos negros, sejam, deputados, governadores, senadores ou vereadores. Vamos aguardar o resultado dessas eleições de 2022 para saber o rumo que o país pode tomar com relação a este tema.