A série coreana da Netflix Round 6 tem feito sucesso e é uma das mais assistidas na história da plataforma de streaming. Na produção, brincadeiras infantis conhecidas, como “batatinha frita 1, 2, 3”, “bolinha de gude” e “cabo de guerra” são usadas numa espécie de jogo de sobrevivência. Os participantes disputam um prêmio milionário e aqueles que não atingem o objetivo final são assassinados.
Mesmo com classificação etária de 16 anos, o enredo tem sido assunto entre crianças e adolescentes nas escolas e redes sociais como Instagram e Tik Tok. No entanto, apesar de todo sucesso, também vem causando polêmica e preocupação dos pais ou responsáveis. Isso porque a série contém cenas de torturas psicológicas, violência explícita, suicídio, sexo e tráfico de órgãos.
O tema é bastante sério, tanto que uma escola particular na Zona Oeste do Rio de Janeiro enviou um comunicado aos pais e responsáveis fazendo um alerta sobre a série. “Sabemos que é responsabilidade da família decidir o que é melhor para suas crianças, mas, enquanto educadores, temos o dever de alertar e honrar o compromisso com a educação. Certos de sua compreensão, nos colocamos a disposição para qualquer esclarecimento que se faça necessário”, diz o texto.
De acordo com diretores da unidade, Round 6 tem sido pauta entre alunos de 7 e 8 anos durante o recreio e horários livres. Elas também estariam reproduzindo brincadeiras que fazem alusão ao assassinato de personagens. “Lembramos, apenas para informação, que canais de streaming como a Netflix e outros possuem a ‘Restrição de visualização por classificação etária’, uma ferramenta preciosa para que nossas crianças acessem somente o conteúdo apropriado à sua idade”, informa.
Para a psicóloga Giovana Barros, a série vem despertando o interesse das crianças por conta dos elementos infantis mostrados, tais como as cores, personagens e músicas. “Uma das cenas mais clássicas é a da boneca numa espécie de versão mortal da brincadeira ‘batatinha frita 1, 2, 3’. Existem desenhos animados que também possuem algumas sequências de violência, mas é tratada de forma fantasiosa, enquanto que em Round 6 a morte é uma realidade banal e constante”.
Ainda de acordo com ela, quando as crianças e adolescentes assistem ao conteúdo de cunho violento repetidas vezes acabam por tornar isso como algo comum. “Podem desencadear sentimentos de raiva e dificuldade de controlar as emoções. O cérebro também cria um bloqueio e começa um processo de dissociação para que não sintam mais a dor e angústia que as cenas geram. Com o tempo, acabam perdendo a empatia e a capacidade de ajudar o próximo. Nesta fase da vida ainda são imaturos e muito vulneráveis a estímulos”.
Na avaliação da pediatra Ana Carolina Almeida, as crianças e adolescentes ainda estão em pleno desenvolvimento neuropsicomotor. “Ao terem contato com as imagens de agressão e violência da série, a estrutura cerebral delas pode ser afetada e causar disfunção no sistema neurológico e endocrinológico. É necessário um lado emocional e maturidade, coisas que a maioria que pertence a essa faixa etária não possui”.
Relatos de responsáveis
Tatiane Vilela é professora e mãe de Deivide, 9 anos. “Meu filho comentou comigo que ele é o único na turma de amigos que ainda não assistiu Round 6. Ele disse que todos os colegas já viram a temporada completa, inclusive, alguns acompanhados dos próprios pais. Depois ficam comentando sobre as sequências e brincadeiras mostradas na série. Acredito que não é um conteúdo para crianças. Eu acompanhei um trecho e são muito fortes as de assassinatos”, comenta.
Já a cabeleireira Carla Silva, mãe do adolescente Arthur, 14 anos, afirma que o filho já tinha assistido o primeiro episódio sozinho. “O ouvi comentando com um colega e perguntei do que se tratava. Ele contou com a maior naturalidade que era uma série em que as pessoas que perdiam as provas eram mortas. Fiquei horrorizada com essa resposta. Passei a ver os demais capítulos junto com ele e fui explicando as coisas que as pessoas são capazes de fazer por dinheiro”.
Proibir ou não?
Inevitavelmente, a maioria das crianças e adolescentes tem acesso ao conteúdo das redes sociais. Mesmo que não assistindo a Round 6, já se deparou com algum material relacionado. Caso os filhos despertem interesse pela série, a psicóloga orienta manter um bom diálogo dentro de casa. “Primeiramente, os pais devem ficar atentos ao que os pequenos consomem na internet. Hoje, as crianças possuem uma liberdade de escolha sobre o que vão assistir, visto que muitos não têm tempo para fiscalizar. É importante conversar sobre o que é pertinente e saudável para cada idade”, recomenda.
Ainda segundo a psicóloga, explicar os motivos da proibição é uma boa. “Falar dos possíveis impactos, como terem pesadelos, medo de ficarem sozinhos e permanecerem impressionados devido às cenas é necessário. Os pais também podem esclarecer que os filhos não precisam fazer tudo que outros colegas estão fazendo. Esse sentimento de realizar algo contrário ao que os responsáveis pediram não os deixam confortáveis, caso queiram burlar a regra estabelecida”, finaliza.