“Preocupante” define a pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) sobre o diagnóstico de anemia no país: 33% das crianças brasileiras estão anêmicas (um terço) por falta de ferro, doença que compromete o sistema imunológico e prejudica o crescimento e desenvolvimento das pessoas. O levantamento inédito analisou os dados de 134 estudos anteriores, envolvendo 46.978 crianças, publicados de 2007 a 2020.
A partir dos resultados obtidos, Carlos Alberto Nogueira de Almeida, docente do Departamento de Medicina (DMed) da UFSCar e coordenador da pesquisa, listou as hipóteses que explicam o cenário brasileiro. “Elevado índice de mães com anemia, o que acarreta passagem de quantidade insuficiente de ferro para a placenta e, depois, consequentemente, ao amamentar, o leite pode ser pobre desse nutriente, baixo índice de aleitamento materno, algo que faria a criança já ter reserva de ferro e recebimento de fórmula infantil e, posteriormente, alimentação inadequada”, esclarece.
Normalmente, crianças anêmicas apresentam cansaço generalizado, falta de apetite e energia, palidez, dificuldade de aprendizagem e apatia. Mas, como detalha a nutricionista materno infantil, Stefânia Oliveira, também existem os efeitos em longo prazo. “Elas podem apresentar menor resposta imunológica, o que favorece a ocorrência ou o agravamento de doenças infecciosas. A anemia pode acarretar em maior probabilidade de déficit no desenvolvimento cognitivo, podendo impactar no rendimento escolar em idades posteriores, até mesmo na baixa produtividade quando adultos”, afirma.
“Infelizmente, com o aumento dos preços, muitas famílias têm deixado de consumir carne vermelha, a maior fonte de ferro. Nas crianças, observamos uma ingestão maior de leite do que de carne e o cálcio presente no leite prejudica a absorção de ferro. Além disso, algumas também rejeitam com maior frequência os vegetais verdes, contribuindo para a menor presença do ferro na dieta”, acredita Stefânia.
Como evitar
Como explica a nutricionista e especialista em nutrição infantil, Júnea Drews, o ferro pode ser ingerido por meio de alimentos de origem animal (heme) e vegetal (não heme). “As melhores fontes são as carnes vermelhas, principalmente fígado de qualquer animal e outros miúdos, como rim e coração, carnes de aves e de peixes e mariscos crus. Ao contrário do que muitos imaginam, o leite e o ovo não são fontes importantes de ferro. Contudo, já existem os leites enriquecidos com o nutriente. Entre os alimentos de origem vegetal, destacam-se os folhosos verde-escuros, exceto espinafre, como agrião, couve, cheiro-verde e taioba. Dentre as leguminosas, como feijão, ervilha e lentilha, grãos integrais ou enriquecidos, nozes e castanhas, melado de cana, rapadura e açúcar mascavo. Também estão disponíveis no mercado alimentos enriquecidos com ferro como farinhas de trigo, milho e cereais matinais”, recomenda.
Além disso, Júnea ressalta que o consumo de leite de vaca, que possui a caseína, e as proteínas do soro do leite que constituem a maioria das fórmulas lácteas e os alimentos infantis industrializados tem efeito negativo sobre a absorção do ferro. “O problema é que com o crescimento acelerado da criança suas necessidades nutricionais encontram-se aumentadas. O leite e seus derivados, como iogurte e queijo, possuem cálcio e ao serem consumidos durante ou próximo das refeições inibem a absorção do ferro”, diz.
A nutricionista indica estratégias para aumentar reservas orgânicas do nutriente por meio da alimentação. “Elevar o consumo de ferro heme ou incluir de 1,8 a 2 vezes o consumo do tipo não heme. Também ampliar a ingestão de vitamina C para estimular a absorção de ferro nas refeições. E o oposto também, diminuir, durante as refeições, os inibidores da absorção de ferro, como chá, café, alguns cereais, leite e derivados”.
Já para reverter o diagnóstico da doença são utilizados suplementos. “Quando a deficiência é severa desenvolve-se então a anemia ferropriva, dessa forma, a reposição desses estoques de ferro deve ser feita por meio de suplementação medicamentosa. Também é fundamental a educação nutricional, que visa o consumo quantitativo e qualitativo adequado de alimentos, fontes dos diversos nutrientes, sendo uma alternativa que possui baixo custo e não produz efeitos indesejáveis, além de prevenir que a criança desenvolva novamente a anemia ferropriva”, finaliza.