Jader Viana – Jornalista e economista*
Quem passou pela Avenida Olegário Maciel no sentido Cidade Jardim nesta semana deve ter visto uma faixa apócrifa afixada próxima à Praça da Assembleia com o seguinte texto: “Exigimos voto impresso auditável”. Essa foi mais uma das bandeiras defendidas durante as manifestações em favor do governo Bolsonaro ocorridas nas principais capitais do Brasil no dia 1º de maio.
Dois dias antes, o presidente, em transmissão ao vivo pelas redes sociais, defendera a aprovação de uma PEC da deputada Bia Kicis (PSL) que retoma o voto impresso no Brasil. Como argumento, o Bolsonaro criticou “a pouca transparência” do Tribunal Superior Eleitoral na divulgação das votações.
Impossível ouvir e ler essas declarações do presidente e seus apoiadores e não estabelecer uma relação imediata com os modelos e atitudes de governos autoritários descritos no livro “Como as democracias morrem”, dos pesquisadores de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. Nesta obra, os autores, a partir de estudos sobre o enfraquecimento ou até o fim de democracias em diversas partes do mundo, apontam tendências e características comuns aos governos autocratas. A desconfiança do sistema eleitoral e a deslegitimação das instituições democráticas estão entre esses comportamentos.
De acordo com os autores, existem pelo menos quatro características que nos ajudam a reconhecer um governante autoritário em vias de subverter as democracias que governam: rejeitam, em palavras ou ações, as regras democráticas do jogo; negam a legitimidade de oponentes; toleram e encorajam a violência; dão indicações de disposição para restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia.
Desde que foi eleito, em 2018, o presidente Bolsonaro e boa parte dos seus ministros vêm cumprindo com muito rigor esse roteiro. Inúmeras vezes levantaram dúvidas sobre os números da sua própria eleição, criticam sistematicamente seus adversários que passam a ser inimigos políticos e ameaçam a grande imprensa, inclusive com fim de concessões, como tem feito com a Globo. Isto sem contar a vista grossa que fazem quando seus apoiadores usam violência para inibir atos de manifestantes contrários ao seu governo.
Neste 1º de maio, além da defesa ao voto impresso, os apoiadores, encorajados e acompanhados pelo próprio presidente que sobrevoou de helicóptero a manifestação em Brasília, defenderam uma intervenção militar e a extinção do STF. Ainda estimulados por uma fala de Bolsonaro, em que dizia que aguardava uma sinalização dos brasileiros para tomar providências contra as medidas restritivas de circulação, os manifestantes levavam cartazes e gritavam “eu autorizo, presidente”. O que eles autorizam? Que o presidente convoque as Forças Armadas para intervir nas decisões de prefeitos e governadores, como foi insinuado por Bolsonaro?
Todo esse ambiente é típico de processos de enfraquecimento de democracias. Ainda que esteja acontecendo com manifestações livres e aparentemente democráticas, a pauta apresentada é de retrocesso e cerceamento da liberdade. Afinal, não há dúvidas de que intervenção militar, extinção de tribunais, dissolução de casas legislativas, são formas de restringir liberdades e limitar a participação do povo no palco político.
Aqui, tomo a liberdade de citar literalmente um trecho do “Como as democracias morrem” pelo didatismo de suas conclusões: “A erosão da democracia acontece de maneira gradativa, muitas vezes em pequeníssimos passos. Tomado individualmente, cada passo parece insignificante – nenhum deles aparenta de fato ameaçar a democracia. Com efeito, as iniciativas governamentais para subverter a democracia costumam ter um verniz de legalidade”.
Sinceramente, não acho que estamos dando passos tão pequenos assim aqui no Brasil. Estamos caminhando a passos largos em direção à ruína de nossas instituições democráticas. Há ainda esperança, entretanto, de que essas instituições, forjadas em uma constituição que limita a atuação de cada um dos três poderes, consiga resistir às investidas autoritárias desse governo. Sejamos resilientes.