Um levantamento realizado pelo Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) aponta que negros têm de três a sete vezes mais chances de serem baleados pela polícia. A pesquisa Policiamento Ostensivo e Relações Raciais traz informações sobre abordagem, letalidade policial e prisões em flagrante, segundo as características de cor e raça.
Dados estatísticos foram coletados desde 2016 nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. Sobre o tema, o Edição do Brasil conversou com Fábio Luporini (foto), cientista social, sociólogo, antropólogo e cientista político.
Uma pesquisa aponta que negros têm até sete vezes mais chances de serem baleados pela polícia. A que você atribui isso?
Infelizmente, no Brasil, a polícia e outras instituições governamentais são condicionadas a tratarem de modo distinto negros e pobres. É o que chamamos de racismo institucional, fruto do racismo estrutural existente no país e que cultua o mito da democracia racial. Dados sobre empregabilidade, acesso a serviços públicos (universidade, sistema de saúde, etc) e, mais recentemente, sobre a violência policial que atinge negros e pobres, mostram que o racismo estrutural está institucionalizado. Nós não somos um povo igualitário. Pelo contrário, somos uma população que cristaliza, cada vez mais, a diferenciação entre classe, gênero e raça.
A violência policial contra negros é citada muitas vezes como racismo institucional. É correto usar esse termo?
Há quem defenda o termo e tem quem o rejeite. É uma forma de nos ajudar a compreender que existe um preconceito e um racismo social que se reflete e revela nas instituições públicas. Jamais podemos generalizar, obviamente. Não vamos correr o risco de reduzir o assunto ou o conceito. Mas, muitos dos dados apontam nesse sentido. A própria Organização das Nações Unidas (ONU) publicou um relatório, em 2015, concluindo que o racismo no Brasil é estrutural e institucionalizado, além de permear todas as áreas da vida. É um estudo que não pode ser ignorado.
Este ano vimos muitos casos em que negros foram mortos pela polícia e que geraram bastante comoção. Contudo, nenhuma medida parece ter sido tomada. Por quê?
Porque, aliado a tudo isso que já discutimos, as instituições públicas brasileiras são protecionistas entre si. As categorias – e isso inclui a polícia, mas, podemos citar as áreas da saúde, da educação e até mesmo da classe política – são corporativistas. E, embora não tenha em mãos dados que mostrem o número de casos de violência policial punidos pelas próprias instituições, a sensação que a sociedade brasileira tem é de impunidade e de que a agressão contra negros continua existindo.
O jornal francês Le Mond fez uma reportagem afirmando que a polícia brasileira é a mais violenta do mundo. Por que é habitual a violência policial no Brasil?
Há várias razões para isso: uma delas é que a polícia é treinada para matar, ou seja, faz parte da adrenalina do trabalho e do escopo do serviço. Por outro lado, não podemos culpar a pessoa do policial, isso porque o Estado não oferece uma estrutura mínima de acompanhamento psicológico, psiquiátrico (quando necessário) e sócio-emocional. Afinal, a polícia trabalha no limiar entre a vida e a morte. Isso é muito sério. Nossos policiais estão correndo riscos de vida todos os dias que saem para trabalhar. E quando estão de folga também. É preciso que o Estado ofereça suporte psico-sócioemocional aos trabalhadores da segurança.
Quais medidas deveriam ser tomadas para acabar com os casos de racismo institucional e violência policial?
É muito genérico dizer que a mudança deve vir por meio da educação. Isso porque sabemos que nossos políticos, de fato, não dão a devida atenção à educação do povo. Mas, a transformação dessa realidade começa por aí. Só assim, e de forma substancial, é que vamos reverter os quadros do racismo, desestruturando-o socialmente e deixando de institucionalizá-lo. Além disso, é pertinente discutir o tema através de palestras, formações, capacitações e atualizações profissionais nas polícias e em todas as repartições públicas, além da vida profissional na rede privada. Mais que isso, há muitos que defendam a desmilitarização da polícia como uma alternativa. E de fato pode ser, já que a Polícia Militar, que faz o policiamento ostensivo, é treinada para matar inimigos. Só que esse é um entrave, pois, o policial deve, acima de tudo, respeitar direitos, inclusive de bandidos. Também com a desmilitarização, os policiais que cometerem atos irregulares contra negros, por exemplo, passarão a ser julgados pela Justiça Civil, não mais pela Justiça Militar como é hoje. Muito já se avançou nos últimos anos, mas, ainda é preciso melhorar, como os próprios dados comprovam.