“As pessoas do meu convício social falavam que meu temperamento era muito difícil. Eu mudava meu humor constantemente e tinha crises de depressão e de euforia”. O relato é da publicitária Aryana Marques, 29 anos, diagnosticada com transtorno bipolar. Assim como ela, a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB) estima que cerca de 8% da população adulta brasileira sofre do quadro psicopatológico.
A psicóloga Clarice Ribeiro explica que uma das características mais marcantes do transtorno bipolar é a alternância de humor. “A pessoa apresenta oscilações, às vezes repentinas, entre a depressão, como tristeza, isolamento social, falta de esperança, e euforia, com agitação, felicidade extrema e excitação. Também pode ser intercalado com períodos assintomáticos entre eles. As crises podem variar de intensidade, frequência e duração. Essas flutuações de humor podem gerar reflexos negativos sobre o comportamento e atitudes das pessoas”.
Essa perturbação do humor se manifesta tanto nos homens quanto nas mulheres, entre os 15 e os 25 anos, mas também pode afetar crianças e pessoas mais velhas. “Existem pesquisas mostrando que 60% dos casos acontecem na adolescência, mas são descobertos apenas na idade adulta. Os fatores que levam uma pessoa a ter o transtorno são estudadas, mas há indícios de fatores genéticos, assim como alterações em certas áreas do cérebro”, diz.
Aryana conta que nas suas crises de euforia costumava ficar sem dormir, era agitada, falava alto sem necessidade e gesticulava bastante. “Meu namorado não entendia o que estava acontecendo comigo, achava que tudo era frescura minha. Nós brigamos e decidimos terminar o relacionamento. Teve uma vez que gastei dinheiro compulsivamente. Entrei num site de artigos de decoração e gastei quase R$ 2 mil de uma só vez”, lembra.
Já nos episódios de depressão, ela chorava, estava o tempo todo triste, queria ficar isolada e sem falar com ninguém. “Era uma fase que não me importava com nada, mesmo sendo uma coisa que amo fazer. Cheguei a ficar mais de duas semanas trancada no meu quarto e só me alimentava por muita insistência da minha família. Nessa época emagreci quase 10 kg. Também já cheguei a ficar dias sem tomar banho e tudo era motivo para chorar”.
A doença também causou prejuízos no trabalho. “Tinha vezes que eu não queria mais fazer nada, tudo me incomodava e me irritava facilmente. Comecei a perder os prazos de entrega dos serviços e agredia as pessoas quando me cobravam. Gritava com todo mundo e não tinha paciência. Numa dessas crises tentei suicídio e tomei um monte de remédio. Foi um momento de puro desespero na tentativa de acabar com a angústia que estava sentindo. Felizmente, tudo acabou bem”.
Ela revela que ficou durante quase 2 anos com o diagnóstico errado. “Nesse tempo troquei de médico algumas vezes. Diziam que estava com depressão, mas depois de uma investigação mais aprofundada veio o resultado para transtorno bipolar. Estou estabilizada, tomando a medicação correta e minha família e amigos tem me apoiado. Vou ao psiquiatra uma vez por mês e faço terapia toda semana”.
A publicitária afirma que é possível ter uma vida normal, mesmo com o transtorno. “Existem os tratamentos adequados que possibilitam uma melhor qualidade de vida. O que mais chama atenção é o preconceito em torno da doença. Muitos vão criticar e achar que é frescura. Só quem tem bipolaridade sabe o sofrimento e o quanto é preciso ter força para vencer todos os dias”.
Diagnóstico e tratamento
Segundo a psicóloga, o transtorno bipolar é um distúrbio sem cura, mas possui tratamento eficaz. “O diagnóstico é clínico, feito com base no histórico do paciente. O ideal é fazer acompanhamento com psicólogo e um psiquiatra continuamente, porque pode aumentar as chances de melhora. Normalmente, são usados estabilizadores de humor, à base de lítio, anticonvulsivantes e/ou antipsicóticos para controlar a bipolaridade”.
Ela salienta que o diagnóstico da patologia ainda é difícil e deve ser feito por profissionais. “Leva tempo para chegar ao resultado de bipolaridade, pois os primeiros sinais apresentados, geralmente, são os mesmos de uma depressão”. Outro dado é que a doença é a segunda causa de incapacidade para o trabalho entre as doenças mentais, atrás apenas da depressão.
Clarice reforça que a família é parte fundamental no tratamento. “Ele vai durar a vida toda para controlar o surgimento dos sintomas. Por esta razão, a família e pessoas mais próximas precisam buscar esclarecimentos e orientação para aprender a lidar com quem tem o transtorno”, finaliza.