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Síndrome de Burnout: quando trabalhar adoece

A jornalista Camila Rodrigues* é mãe de dois filhos e quando o caçula nasceu, ela e o marido decidiram que, para participar mais da vida deles, seria interessante que ela trabalhasse em casa. Não demorou e Camila começou a sentir um esgotamento. O corpo e a cabeça doíam. Além disso, o peito acelerava, sentia falta de ar e as crises de ansiedade apareceram, mas acreditava que era apenas cansaço pelas demandas do dia a dia.

No entanto, Camila não conseguia fazer mais nada. Nem ser assessora de imprensa nem mãe e dona de casa. “Minha imunidade começou a despencar e só a ideia de levantar da cama já me fazia ter uma crise de choro. Eu brigava com o meu marido e com meus filhos e, um dia, os sintomas foram tão fortes que fui parar no hospital. Após uma bateria de exames, veio o diagnóstico: síndrome de Burnout”.
Caracterizada como o esgotamento extremo no ambiente de trabalho, a doença já acomete 30% da população brasileira, o que equivale a 100 milhões de pessoas. Recentemente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) oficializou a síndrome como crônica e a incluiu na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), que entrará em vigor em 1º de janeiro de 2022.

Dados da Secretaria de Especial de Previdência e Trabalho apontam um aumento de 114,80% na procura de benefícios de auxílio-doença com a CID 10 Z73 – na qual a síndrome era qualificada como problema relacionado à organização do modo de vida. Estima-se que, no Brasil, a falta de produtividade causada pela exaustão gere um prejuízo de 3,5% no Produto Interno Bruto (PIB).

O psicólogo Rodrigo Casemiro esclarece que as condições de trabalho são as principais causadoras do Burnout. “A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê que a gente tenha determinadas horas trabalhadas. Mas não existem regras quanto às circunstâncias que o trabalhador é colocado, nem sobre os equipamentos que ele usa ou qualquer situação que possa gerar estresse. Por exemplo, o WhatsApp, atualmente, se tornou uma extensão do mundo corporativo. Depois que você foi embora, o chefe passa uma demanda pelo aplicativo ou te manda um link no Facebook e o funcionário, com receio de ser mandado embora, não se impõe. Com isso, vem o estresse, não só pela jornada de trabalho, mas pela carga emocional”, ressalta.

A origem do Burnout ainda é desconhecida. Segundo ele, por muito tempo se responsabilizou o funcionário por não saber colocar limites, se organizar ou administrar o tempo. “Hoje, entende-se que existe um excesso de trabalho do mundo moderno, uma necessidade de agilidade da informação e realização do serviço. Porém, pode ser desde a dificuldade do funcionário em se impor, até o chefe que não sabe seus limites e acaba praticando um assédio moral”.
Casemiro elucida que, de fato, o Burnout pode afastar uma pessoa da empresa. “A avaliação é feita por uma equipe médica, a psicologia entra no tratamento. A patologia é incapacitante porque a pessoa adoece e podemos fazer a analogia do corpo humano com uma máquina que vai trabalhando e, sem manutenção, dá pane”.

O psicólogo acrescenta que, culturalmente, as pessoas tendem a acreditar que o esgotamento pode ser taxado como preguiça, mas são coisas distintas. É exatamente o que sente Camila. “As pessoas não entendem, principalmente, porque trabalho em casa e não tenho chefe. Elas acham que é exagero e que não tenho motivos para chegar nesse nível de exaustão. Tento levar numa boa, fui medicada recentemente e, por muitas vezes, me sinto prostrada e dopada, mas quero melhorar”.

Tratamento
O esgotamento profissional tem cura e o tratamento visa combinar vários fatores. “Psicoterapia, para que a pessoa aprenda a lidar com o próprio jeito, a forma como trabalha e se dedica às atividades. Em alguns casos, orientação jurídica para que ela entenda que está em uma situação de assédio moral. Além das medicações, como antidepressivo, ansiolítico e, em algumas questões, tratamento clínico, visto que o Burnout pode trazer consequências físicas”, explica o psicólogo.
Criar hábitos mais saudáveis também pode ajudar. “As pessoas tendem a buscar escape no cigarro, bebida ou em outros vícios que prejudicam ainda mais. O ideal é buscar formas de quebrar a rotina: ler um livro, fazer um passeio, assistir a uma série e se envolver em atividades que dão prazer. Fora do trabalho, o trabalhador deve se desconectar do mundo corporativo”.

Consequências
O Burnout tem sido comparado com a síndrome de Karoshi, que mata cerca de 2 mil pessoas por ano no Japão. Estima-se que, por lá, 70% das pessoas estejam acometidas com a patologia. “O conceito das duas síndromes são semelhantes. O Burnout também pode levar à morte devido às consequências. A pessoa pode ter uma hipertensão, sofrer um ataque cardíaco ou ter um AVC”.
Para Casemiro, o Brasil está criando uma bola de neve. “No Japão, a cultura do trabalho é muito forte e eles não têm limites. Por aqui, com o atual governo facilitando o trabalho informal, o trabalhador fica mais vulnerável e isso é um forte indício para mais casos do Burnout. Criou-se uma cultura delicada de pressão psicológica no mercado”, conclui.

*A pedido, o nome da personagem foi alterado.