Belo Horizonte é conhecida nacionalmente como a capital dos bares e restaurantes. Uma prova disso é que, segundo levantamento feito pela Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte (Prodabel), existem 9,5 mil estabelecimentos na cidade. Isso significa que são, em média, 28 botecos por quilômetro quadrado. Além dos comércios, outra coisa bem comum em BH é a cobrança de 10% a mais no valor do que foi consumido no local para a gorjeta dos garçons.
Apesar de corriqueira, a prática ainda é questionada por alguns botequeiros. Em uma enquete feita no grupo Restaurantes de Belo Horizonte, que reúne mais de 48 mil membros para comentar experiências gastronômicas na capital, das 579 pessoas que participaram, 160 afirmaram que já tiveram problemas quando pediram para tirar o valor da conta. Isso significa 27,6% dos consumidores.
O especialista em telecomunicações, Cássio Braz, relata que estava com amigos em um bar no Coração Eucarístico, na região Noroeste de BH, e quando pediu a conta, ela demorou 20 minutos e ainda veio com o acréscimo de um rodízio de japonês que não foi pedido. “Solicitei a retirada do valor a mais e tive que esperar por mais 20 minutos”.
Indignado com o mal atendimento, Braz entendeu que o pagamento de 10% não seria condizente com a qualidade do serviço prestado naquela noite. “O pior foi que, depois de falar que não pagaria, o funcionário tentou me intimidar e questionou a atitude. Mas, apesar disso, sei que o local é bacana, voltei outras vezes e não tive problemas”.
Já a estudante de psicologia Ana Lima preferiu não dar uma segunda chance. Ela relata que o inconveniente aconteceu em uma casa noturna no bairro Santa Lúcia, na região Centro-Sul da capital. “Éramos 4 pessoas, das quais 3 eram fumantes. Lá estava vazio e, ao chegar, nos sentamos em uma mesa do lado de fora. Ela estava suja, com copos vazios e cinzeiros cheios. Após 5 minutos, nenhum garçom veio. Me levantei, peguei os cinzeiros e os copos, fui até o bar, esvaziei e deixei os copos sujos lá. Pedi um paninho pra limpar a mesa e, pasmem, me deram. Fiz o pedido das bebidas e, depois de uma longa espera, elas chegaram. O garçom as deixou na mesa e ignorou os cinzeiros que já estavam cheios. Após um bom tempo de copos vazios, vi que os funcionários estavam batendo papo, sem se preocupar em perguntar se gostaríamos de algo mais e foi assim a noite inteira”.
A estudante disse que houve resistência para tirar a gorjeta na hora de pagar a conta. “O atendimento foi péssimo para um local sem movimento, por isso, nunca mais voltei. Meu dinheiro merece ser gasto em ambientes melhores”.
Pagamento facultativo
O advogado especialista em direito do consumidor, Julianderson Lopes, afirma que não há nenhuma legislação que autorize tal cobrança. O que existe é uma lei que determina que os estabelecimentos devem deixar claro que o pagamento é facultativo. “É uma prática costumeira no mercado de consumo, mas pode sim ser considerada como abusiva”.
Lopes reitera que essa gorjeta é um elemento cultural, pois de tão corriqueira, já está enraizada. “A maior alegação para a cobrança é a remuneração pelo serviço prestado pelo estabelecimento. Esse valor será, posteriormente, distribuído para os empregados”.
Todavia, é importante reiterar que, caso o consumidor não queira pagar, deve ser solicitado para que seja retirado da cobrança. “Se porventura, ele se sentir constrangido a realizar o pagamento, deve procurar autoridades competentes, tais como o Procon, Juizado Especial, um advogado e até mesmo autoridade policial”.
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel Minas) reafirma que o pagamento é opcional. “A prática da gorjeta é algo internacional e é também uma maneira do dono do estabelecimento medir como está o atendimento dos seus funcionários. No final, todos saem ganhando, seja o consumidor que consegue ter um atendimento melhor ou os garçons que têm uma renda a mais”, diz o presidente do conselho de administração, Ricardo Rodrigues.
Questões trabalhistas
O advogado trabalhista Thiago Sobreira explica que a gorjeta tem que integrar a remuneração final do trabalhador. “Por isso, todos os benefícios, como décimo terceiro salário, férias e o desconto do INSS também devem considerar esse valor”.
Na maioria dos casos, como a cobrança de 10% está embutida na conta final e o cliente paga o valor total, quem deve fazer a separação dessa quantia é o dono do bar. “Há um acordo da classe que determina estimativas de quanto cada garçom vai ganhar de gorjeta e esse cálculo é feito conforme o salário recebido”, finaliza.