Na semana passada completaram-se os 100 dias de gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL), prazo institucionalizado pelo nosso universo político como o marco para que um novo governo federal, qualquer que seja, mostre a que veio. E, infelizmente, não há muito a apresentar à sociedade, a não ser os esforços, praticamente isolados num ambiente de quase inação, do ministro Sérgio Moro, da Justiça, com seu pacote anticrime, e de Paulo Guedes, da Economia, com a Reforma da Previdência Social.
É indiscutível que ambos os projetos sejam de extrema importância para o país, mas, diante da emergência de mudanças no sistema previdenciário, o da segurança pública, embora em tramitação paralela, na prática perdeu prioridade – de maneira informal, digamos –, o que gerou alguns atritos entre Moro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM). Mas tudo foi logo resolvido, e a iniciativa do ministério da Justiça é agora examinada simultaneamente na Câmara e no Senado.
Não há dúvida quanto à sensatez deste arranjo. Afinal, trata-se de literalmente usar a política para salvar a economia do país – aliás, política e economia andam cada vez mais entrelaçadas. A Previdência Social consumirá este ano R$ 768 bilhões, mais de 53% do total de gastos previstos no orçamento da União para este ano. Paralelamente, saúde, educação e segurança pública, juntas, demandam R$ 228 bilhões, menos de 16% dos gastos totais. Segundo o ministro Paulo Guedes (cuja obstinação quanto à premência das mudanças o levou, inclusive, a enfrentar e reagir com veemência a desaforos de parlamentares em recente debate na Câmara Federal), a economia que a reforma possibilitará, em 10 anos, será de R$ 1,1 trilhão. Essa cifra, no entanto, já é contestada: de acordo com relatório do Banco Santander, divulgado por esses dias, a redução de gastos ficará em pouco mais da metade: R$ 615 bilhões, segundo os analistas da instituição.
O fato é que as expectativas do mercado com relação à reforma são enormes, ainda que cautelosas. Um exemplo deste “pé atrás”: logo depois da posse do presidente, pesquisa de uma empresa de consultoria econômica indicou haver, por parte de grandes corporações multinacionais, a intenção de investir um montante de R$ 300 bilhões na economia brasileira, apoiada na percepção do que estaria por vir. Apostava-se numa sólida retomada do desenvolvimento econômico, ancorada na consecução das várias reformas que o novo governo anunciava. Hoje, 100 dias passados, o otimismo de investidores e das grandes corporações deu lugar a uma prudente cautela – e nem se fala mais naqueles R$ 300 bilhões. O motivo é óbvio: a Reforma da Previdência Social, condicionante das demais e sustentáculo dos planos de crescimento econômico e de desenvolvimento social, continua empacada e é muito pouco provável que seja aprovada nos prazos estimados.
Há muitas pedras no caminho e, a cada dia, outras nele vão se amontoando. Tem havido pouca sincronia entre Executivo e Legislativo, com enorme potencial para gerar dissensões na própria base de sustentação do Governo, cujo alinhamento interno vem se tornando cada vez mais frágil, e, também, percebe-se a nítida emergência de interesses político-partidários, quando não pessoais, de “vender caro” a reforma. Este contexto é extremamente negativo, não apenas em razão de um previsível esgotamento do erário público mas, principalmente, para os próprios cidadãos, na medida em que qualquer entrave pode trazer longos adiamentos no processo de viabilização socioeconômica e financeira do sistema. Num caso extremo, esses fatores, em conjunto, podem mesmo sepultar em caráter definitivo o nosso sistema previdenciário. Nesta hipótese, as desigualdades sociais se acentuariam de tal forma que o Brasil se tornaria, simplesmente, uma nação inviável.
Apesar de tantos transtornos, o ministro da Economia vem demonstrando que tanta confusão, acompanhada por pressões de toda parte, não tem afetado a sua disposição em dialogar, conversar, convencer, brigar (como foi naquela desavença com deputados) e avançar para a consecução das mudanças. Mesmo com o acirramento de ânimos que provoca e com as postergações que prenunciam delongas além do prazo desejado, algo a meu ver inevitável, ela acabará por acontecer, se houver serenidade e desprendimento. Senão, que Deus nos acuda.
*Engenheiro, vice-presidente da Federaminas, presidente do Conselho do Instituto Sustentar e presidente da Federação de Conventions & Visitors Bureau de Minas Gerais