Não é raro ouvir de um jovem que seu pontapé para a vida adulta inclui concluir o ensino médio, conseguir um emprego e começar uma faculdade. O cenário do mercado de trabalho no Brasil, entretanto, atropela de frente o sonho de uma parcela desses jovens. O número de pessoas de até 24 anos que desistiram de procurar emprego triplicou desde 2014. No final do ano passado, já eram mais de 1,76 milhão de jovens nessa condição.
Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), compilados pela consultoria LCA. O levantamento revela que o desalento atingia 600 mil jovens até setembro de 2015. Em 3 anos, o número de jovens desalentados chegou a mais de 1,5 milhão.
O doutor em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Fabrício Missio explica que, quando o desemprego está alto e o grau de utilização da capacidade está baixa, o que significa que existem recursos ociosos nas empresas, como máquinas paradas, o número de vagas criadas é limitado e, portanto, a tendência é que o desemprego não diminua. “Outro fator é que quando a taxa de desemprego é elevada, pessoas mais qualificadas estão mais dispostas a aceitar vagas de trabalho em condições inferiores de remuneração. A concorrência aumenta, sendo que o jovem tem ampla desvantagem. As empresas sabem disso e aproveitam para contratar pessoas mais qualificadas”, completa.
Isso explica os dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que registra uma retração de 1,3% na ocupação no trimestre móvel encerrado em janeiro, o que significa que o grupo entre 18 e 24 anos possui a menor probabilidade de ser contratado e tem a maior chance de ser demitido.
Dança da informalidade
De acordo com Lúcia Garcia, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e especialista em mercado de trabalho, jovens nessa situação aceitam empregos precários e se envolvem em esquemas de prestação de serviços, em que assumem uma relação aparentemente contratual. Por exemplo, quando entregadores ou motoristas de aplicativos, na qualidade de fornecedores finais dos serviços, mantêm um relacionamento com outra empresa, em geral de maior porte, organização e autonomia financeira.
“O trabalhador vinculado à chamada economia de plataforma, assume todos os riscos e ‘abre mão’ de segurança. Sob a perspectiva de uma trajetória ocupacional, redunda em um arco de inseguranças e/ou precarizações, pois, com baixas e irregulares remunerações, não há como dedicar parte do tempo ao estudo e qualificação”, acrescenta Lúcia.
Audilaine Pereira, 24, cujo último trabalho formal foi como cuidadora de idosos em Coronel Fabriciano, no Vale do Aço, conhece essa realidade. Há um ano desempregada, a rotina é a mesma. “Procuro, mando currículos e nada. Só porta na cara”, conta.
Na falta de esperança de encontrar trabalhos na área que costumava atuar, enviou também currículos para atendimento no comércio, entretanto, ao notar preconceito nos processos de seleção, desistiu, no momento, pela procura de um novo posto de trabalho. “Estou acima do peso e, às vezes, tem aquela vaga que você vê que se encaixa no perfil, é chamada, mas quando vou entregar meu currículo pessoalmente, me eliminam”, relata. Atualmente, sua única fonte de renda é a pensão alimentícia do filho paga pelo ex-companheiro.
Reforma Trabalhista
Para Lúcia, a Reforma Trabalhista, em vigor há 1 ano e cinco meses, é consequência e não uma causa da situação atual. “Claro que determinados segmentos da economia de menor escala sofrem mais e tiveram piorada a sua condição com a reforma, mas temos muitos outros fatores envolvidos na estagnação brasileira”.
Missio acredita que analisar o papel da reforma sobre a dinâmica do emprego/desemprego é precipitada. “No entanto, o que é perceptível é que a solução vendida pelo governo anterior, que apontava a reforma como pré-requisito para a retomada do emprego e a redução da informalidade, não se concretizou. Na verdade, a informalidade tem aumentado”.
Para o economista, muitos trabalhadores têm optado por realizar atividades por conta própria, por um lado, porque os salários pagos nas atividades formais são baixos e, por outro, porque com o fim dos direitos trabalhistas, muitos entendem que não compensa trabalhar no sistema tradicional. “É a ideia de ser autônomo, não ‘ter patrão’”, diz.
Saúde mental
Criada pelo IBGE para se referir a parcela da população que não tem esperança de encontrar emprego, a expressão “desalentados”, segundo explica a mestre em psicologia e professora da PUC Minas Elisiene Fagundes, vai além de uma fonte de renda.
“Entre os impactos na saúde mental dos jovens, além da desistência do trabalho, há uma renúncia do próprio projeto de vida, pois o jovem se vê impossibilitado de fazer planos futuros. Faz com que ele tenha a sensação de não ter o seu lugar na sociedade, já que podemos considerar o trabalho como um aspecto importante na constituição do sujeito”, ressalta.
Sobre maneiras do jovem reorganizar seus pensamentos em momentos de desesperança, a psicóloga levanta a questão: “Podemos sugerir tratamentos psiquiátricos ou mesmo psicoterapia, mas precisamos refletir alguns pontos: Com que condições esse jovem pagará o tratamento?”.
E conclui: “A ergonomia pensada nos moldes franceses pressupõe que não é o trabalhador que deve se adaptar a uma máquina, mas o contrário. Se levarmos esse pensamento ao fenômeno do desalento, podemos dizer que há um risco de potencializarmos a precarização do trabalho ao fortalecermos o jovem a buscar formas de adaptação. Ele pode acabar por aceitar qualquer coisa no mundo do trabalho, renunciando, dessa forma, às suas vontades e sonhos”.