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Ausência de trocadores nos ônibus segue gerando polêmica na capital

A falta de cobradores nas linhas de ônibus de Belo Horizonte tem se tornado cada vez mais frequente. De acordo com a Lei 10.526: “Cada veículo deve ser operado por um motorista e um agente de bordo, à exceção das linhas troncais do sistema do BRT, dos que operam em horário noturno e nos domingos e feriados, e dos serviços especiais caracterizados como executivos, turísticos ou mini ônibus”.

Segundo a representante do Movimento Sem Trocador Não Dá, Cléo Olímpio, em 2015, se iniciou a primeira retirada de trocadores e de lá pra cá, cerca de 4 mil profissionais teriam sido demitidos. Ela afirma que os órgãos responsáveis não dão nenhum retorno. “Eles não falam nada em relação a lei que está sendo descumprida, nem sobre o que está sendo feito. A BHTrans diz que está autuando, mas como uma empresa vai pagar esse tanto de multa? Muitos coletivos estão rodando sem agente de bordo”.

Em nota, a BHTrans explicou que tem intensificado a fiscalização para garantir que a lei seja cumprida e que está multando as empresas que estão circulando sem cobradores. De acordo com a entidade, de janeiro a outubro de 2018, foram realizadas 7.973 autuações às concessionárias por veículos rodando apenas com o motorista e sem autorização. A multa é de R$ 665,68.

A BHTrans aponta ainda que: “Cabe ao Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH) definir quais linhas vão optar, ou não, pela presença do trocador. É importante pontuar que essa opção deve cumprir as diretrizes da referida lei”.

O SetraBH disse também por nota que: “A retirada somente é indicada em horários legalmente permitidos. E que os agentes de bordo demitidos estão sendo convidados a se capacitarem para exercer a função de motorista. O Programa de Capacitação para Empregados do Sistema de Transporte Coletivo de Belo Horizonte é uma parceria do SetraBH com o Serviço Social do Transporte e do Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest/Senat). O programa oferece cursos gratuitos aos profissionais que pretendem atuar em novas frentes de trabalho e investir em outras oportunidades. A programação inclui desde curso de assistente administrativo e capacitação em informática básica até formação de operador de máquinas. As empresas do sistema também possuem programas internos de formação de motoristas, que oferecem aos ex-agentes de bordo (cobradores) a oportunidade de se capacitarem para exercer a profissão de motorista”.

As duas empresas ressaltam que os usuários estão mais adeptos ao cartão BHBUS e que a tendência é que esse número aumente. A BHTrans aponta que 75% dos usuários usam esee meio para pagar a passagem, enquanto que o SetraBH informou ser 85%, frisando que isso aumenta a segurança e oferece mais conforto.

Dois em um

As principais reclamações por parte dos motoristas ouvidos pela nossa reportagem são o fato de terem que desempenhar muitas tarefas ao mesmo tempo, como cobrar a passagem, devolver o troco, abrir e fechar as portas, auxiliar os cadeirantes, observar os assentos prioritários e o veículo como um todo.

Wanderley Santos, motorista desde 1988, é um exemplo. “Nossa profissão é perigosa, de muita responsabilidade e transtorno. Eu já cheguei ao extremo de não conseguir sorrir para o passageiro quando ele me dá bom dia”.

Para ele, o trocador é uma segurança a mais. “A gente tem que cuidar de três portas, seis espelhos e preocupar com um tanto de coisa. O cobrador fica num ponto estratégico para observar as demandas do ônibus, como auxiliar que crianças e idosos estejam sentadas”.

O motorista acrescenta que alguns passageiros ficam nervosos a ponto de querer agredi-lo. “Alguns até entendem, veem nosso estresse e tentam ter paciência, mas uma hora isso acaba. É difícil pra todo mundo”.

Essa paciência é praticada todos os dias pela diarista Letícia Fontes. “Estou pegando o ônibus mais cedo para o trabalho porque a viagem está mais longa. É visível o cansaço no rosto do motorista. Além disso, estou sempre andando com o dinheiro trocado”.

Ela já presenciou situações originadas pelo estresse. “O motorista foi virar em uma rua e acertou o poste com a lateral do veículo. Ele não parou, mesmo com a gente avisando que havia batido, e seguiu viagem. Uma outra vez, rezei a viagem toda, porque o condutor estava dirigindo tão rápido, que pensei que a qualquer momento sofreríamos um acidente”.

A lei na prática
Os motoristas recebem 20% sobre a hora trabalhada sem o cobrador. Isso faz parte da Convenção Coletiva de Trabalho, um acordo feito entre o sindicato e as empresas. O advogado Delson Costa explica que, ao tratar sobre a dupla função, a empresa empregadora não pode exigir do empregado o exercício de função diversa daquela para a qual o contratou. “Salvo se compatíveis as funções exercidas”, completa.
De acordo com o especialista, “em julgamento recente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que as atividades são distintas, de modo que a acumulação gera adicional”.