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Lei torna importunação sexual crime com pena de até 5 anos de reclusão

Recentemente, a Lei n.º 13.718, de 24 de setembro de 2018, inseriu no Código Penal o art. 215-A, que define a importunação sexual como o ato de “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a lascívia própria ou de terceiros”, fixando pena de reclusão de 1 a 5 anos.

Para entender melhor essa mudança, o Edição do Brasil conversou com André Coura (foto), advogado e professor universitário nas áreas de Direito Penal e Processo Penal.

O que a lei considera como importunação sexual?
Pode-se compreender como importunação sexual qualquer ato de cunho libidinoso ou sexual praticado sem o consentimento ou autorização da vítima. Atos como beijos lascivos forçados, contato físico com intenções sexuais ou voluptuosas não autorizado pela vítima ou, até mesmo, casos como os noticiados em 2017, de homens que ejacularam no corpo de mulheres dentro de coletivos em São Paulo podem ser caracterizados como importunação sexual exatamente por ofenderem a liberdade de autodeterminação das vítimas em escolher como, quando, com quem e em quais circunstâncias manter tais relações.

Vale lembrar que, caso o ato libidinoso seja praticado mediante qualquer forma de constrangimento com o emprego de violência física ou grave ameaça, pode estar configurado como estupro, crime hediondo cuja penalização é consideravelmente mais grave (reclusão de 6 a 10 anos).

O que realmente essa mudança traz de benefício?
Embora o crime de importunação sexual se destine a tutelar a liberdade sexual de qualquer pessoa, independentemente do gênero, é inegável que as mulheres tradicionalmente compõem o universo majoritário de vítimas dos crimes sexuais cometidos contra adultos. Isso reflete uma tradição sistêmica da violência radicada na superposição de gêneros e na cultura patriarcal de dominação da instância masculina, especialmente em âmbito doméstico e familiar.

A alteração legislativa pode contribuir para uma paulatina alteração cultural no sentido de melhor monitorar eventuais abusos e encorajar as mulheres, vítimas de tais atos, a buscarem às autoridades competentes, diminuindo a subnotificação dos casos.

Na sua avaliação, qual a importância da mudança na legislação?
A alteração supre uma lacuna protetiva que existia entre o crime de estupro e a revogada contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, que previa pena exclusivamente de multa. Havia uma penalização para os casos de violação grave da dignidade sexual mediante violência ou ameaça grave (estupro), ao passo que os casos que não refletissem tal constrangimento violento eram penalizados de modo bastante brando, cabendo, inclusive, aos Juizados Especiais Criminais o processamento e julgamento de tais casos, considerados pela lei como infrações penais de menor potencial ofensivo. Com as alterações promovidas pela nova legislação, houve um incremento substancial da pena prevista, estabelecida em até 5 anos de reclusão.

Você acha que isso pode inibir futuros casos de assédio?
Sem dúvida. A tipificação penal transmite uma mensagem de proibição de determinadas condutas e pode, paulatinamente, produzir alterações na dinâmica comportamental da sociedade. Todavia, para além da tutela penal, é imprescindível a reflexão sobre a necessidade de alteração das estruturas de reprodução de todas as formas de violência, bem como a investigação sobre suas causas, especialmente às manifestações fundadas em questões de gênero.

Com a mudança, você acredita que mais mulheres podem se sentir encorajadas a denunciar o agressor?
A nova legislação altera a dinâmica de processamento de todos os crimes contra a dignidade sexual, inclusive da importunação sexual, deixando a cargo exclusivo do Ministério Público o início das respectivas ações penais, independentemente da autorização da vítima.

Se por um lado os casos envolvendo violações de cunho sexual podem provocar constrangimento na vítima, o que pode conduzir ao silenciamento e, consequentemente, à subnotificação; por outro, a elevação da pena prevista – especialmente em relação à revogada contravenção de importunação ofensiva ao pudor – pode provocar um sentimento de maior confiabilidade na resposta penal, reforçando a ideia de que tais atos lascivos ou sexuais não autorizados e ultrajantes constituem uma violação séria à liberdade sexual, merecendo apuração e, sendo o caso, efetiva punição.

Acredito que a alteração legislativa possa contribuir com um movimento de maior empoderamento das vítimas no sentido de reportar os fatos às autoridades competentes, embora se faça igualmente necessária uma atuação cautelosa das autoridades para, com sensibilidade jurídica, proceder à calibragem normativa dos casos atendidos.

E como as pessoas podem relatar o ocorrido? É necessário produzir provas?
Qualquer pessoa, vítima ou não, pode comunicar o fato criminoso às autoridades policiais para a adoção das providências cabíveis, especialmente à prisão em flagrante do ofensor ou, sendo o caso, a instauração de inquérito policial para a investigação dos fatos.

A coleta de provas como registros audiovisuais e depoimentos de testemunhas certamente contribui com o trabalho investigativo das autoridades policiais e, posteriormente, do Ministério Público, a cargo de quem estará o eventual oferecimento de denúncia pelo crime de importunação sexual.