Em entrevista ao Edição do Brasil, a especialista em política ambiental e coordenadora do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos critica o sinal do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), de criar um único ministério envolvendo Agricultura e Meio Ambiente.
O que uma fusão dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente pode significar em termos ambientais?
O que está dito sobre a proposta indica não uma fusão, mas a extinção do Ministério do Meio Ambiente como o conhecemos, ou seja, como órgão central do Sistema Nacional de Meio Ambiente, instituído pela lei da Política Nacional de Meio Ambiente, desde 1981. As declarações não permitem compreender como serão tratadas questões relativas a temas como infraestrutura, energia, conservação da biodiversidade e de ambientes marinhos, resíduos, emissões de gases de efeito estufa por atividades de transporte, zoneamento ambiental urbano, entre outros que fazem parte da agenda do Ministério do Meio Ambiente hoje. Também trata de licenciar, via Ibama, atividades industriais e o setor de petróleo. Dos 2.800 processos de licenciamento no Ibama, só 29 têm relação com agropecuária.
Isso significaria que as demandas ambientais seriam colocadas em segundo plano?
A extinção de um ministério é uma sinalização de que o assunto é considerado de menor importância em relação aos temas que seguem com um ministério próprio. Só conhecendo a proposta na sua integralidade é possível avaliar como garantir que as demandas não sejam colocadas em segundo plano. Mas o papel regulador do Ministério do Meio Ambiente estará subordinado a um dos setores regulados, o que implica conflito de interesse e provável acirramento dos impasses e problemas existentes.
Outros países unem os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente?
Levantamento realizado pelo Observatório do Clima demonstra que nenhum país com as dimensões do Brasil tem essa junção ou submissão, nem mesmo outros grandes produtores de commodities como o nosso país. EUA, Índia, China, Canadá, México, Argentina e Espanha mantêm pastas separadas. Na Austrália, Meio Ambiente incorpora Energia; na Alemanha, integra segurança nuclear; na Holanda, atribuições do Ministério do Meio Ambiente são divididas em três pastas: Infraestrutura e Gerenciamento Hídrico, Agricultura, Natureza e Qualidade Alimentar e Economia e Política de Clima. No Reino Unido, agricultura e meio ambiente são unidas no Defra (Departamento de meio ambiente, alimentação e assuntos rurais). Lá a junção faz sentido, porque 56% do território do país é composto por pastos e lavouras e cerca de 30% por ambientes naturais. No Brasil, a proporção é inversa. Além disso, no Reino Unido, como na Holanda, existe um ministério separado para mudanças climáticas, unido com Energia. Nos dois países europeus buscou-se a transversalidade das políticas, mas priorizando o meio ambiente.
Com sua experiência, como você acredita que o mundo vai receber essa mensagem do Brasil?
Há uma imensa preocupação com a forma como o Brasil cuida do meio ambiente e dos direitos humanos, já que a economia brasileira, em especial o agronegócio, é totalmente conectada com mercados globais, que demandam salvaguardas consistentes relacionadas à sustentabilidade da produção. Retrocessos na agenda ambiental do país podem representar riscos à reputação das empresas e produtores brasileiros, colocando o país na contramão do movimento global de transição para a economia de baixo carbono. Não é à toa que a proposta já recebeu resistência da própria bancada ruralista.
O que a medida pode significar para os povos indígenas?
Alguns temas de interesse dos povos indígenas estão sob a responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente, como é o caso da proteção ao conhecimento tradicional, a partir do Marco Legal de Acesso ao Patrimônio Genético, o Plano Nacional de Áreas Protegidas e a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas (PNGATI).
Qual é a função do lobby da bancada ruralista nessa questão?
A bancada ruralista tem colocado a flexibilização da legislação ambiental, bem como a destituição dos direitos indígenas, como sua pauta prioritária já há algum tempo.
Qual é o papel da Amazônia nas relações internacionais do Brasil?
Proteger a Amazônia deveria ser compromisso de toda a sociedade e dos governos do Brasil. Nenhum país do mundo tem as características ambientais do nosso: a maior biodiversidade do planeta, mais de 50% do território coberto por vegetação nativa, a maior floresta tropical e maior bacia hidrográfica do mundo, uma agricultura tropical fortemente dependente de chuvas e quase 30% do território coberto por áreas protegidas, entre unidades de conservação e terras indígenas. Esses ativos são cruciais não apenas para a qualidade de vida, mas também para a economia: por exemplo, 80% da energia hidrelétrica do país é gerada por rios que nascem em ou passam por unidades de conservação e o maior projeto de mineração de ferro do planeta está dentro de uma unidade de conservação no Pará. Além disso, a Amazônia é uma região compartilhada com outros países e reconhecida globalmente por sua importância para a regulação climática global, o que colocou o Brasil sempre em posição de liderança nos fóruns globais sobre meio ambiente e atividades econômicas que se realizam na região.