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De Vinícius de Moraes a MC’s: site expõe letras machistas e violentas em músicas nacionais

Ninguém questiona o poeta que Vinícius de Moraes foi, mas já seu verso “Ser só minha até morrer”, da letra de “Minha Namorada” não passou batido aos ouvidos de Rossiane Antúnez, Lilian Oliveira, Carolina Tod e Nathália Ehl ao criar o site Música Machista Popular Brasileira (MMPB). “O objetivo do projeto sempre foi fazer as pessoas refletirem sobre as canções e artistas que consomem. Refletir e entender o porquê das letras serem problemáticas, em alguns casos, é o começo de um processo de desconstrução e educação”, explica Rossiane.

Do sertanejo ao samba, passando pelo rap, axé, rock, funk e MPB. Nenhum gênero falha: as diferentes intensidades do machismo estão em todos os estilos da música brasileira.

Ao entrar no site, o usuário clica no botão “dá um shuffle” e a plataforma seleciona aleatoriamente uma faixa. Dependendo da letra, o susto pode ser grande. A letra “Eu quero te estuprar/Com muito carinho/Te estuprar/Por causa da dor”, da banda brasileira de rock Os Cascavelletes, é dessas de arrepiar os cabelos, não pelo rock in roll, mas pela incitação à violência sexual escancarada.

Lançado neste ano, o site já conta com um acervo de 100 músicas. Atualmente, as criadoras trabalham numa atualização que vai mapear e ranquear os artistas mais presentes no site. “Mas só para citar um exemplo: sertanejo é um gênero com muitos exemplos de músicas e artistas bem machistas”, adiantou Rossiane. Também é possível que o visitante contribua enviando músicas com letras de teor machista.

Rossiane conta que elas sempre se sentiram incomodadas com as letras, no mínimo, discutíveis de diversos artistas. Mas o estopim para criação veio em janeiro com o lançamento da música “Surubinha de leve”. No funk do MC Diguinho, se ouve “Taca bebida/ depois taca p*/E abandona na rua”. No MMPB a explicação do porquê a letra ser problemática é didática: “Na letra é incentivado o ato de dopar mulheres para estuprá-las. 100% criminosa. Sem mais”.

Se o visitante ficar em dúvida se tal música é ou não, de fato, machista, explicações como essa sempre ficam ao lado das letras. “A gente resolveu se reunir e dar destaque para outras canções de outros tantos gêneros que também são machistas e mostrar para as pessoas como a mulher anda sendo retratada na sociedade há muito tempo e isso é sintomático. Olha como estamos! Até na música somos retratadas de forma questionável”, afirma Rossiane.

Para a professora de música Tauini Santos Rosa, a música é sempre o reflexo da sociedade. “A mente das pessoas ainda está lá atrás. Artistas são pessoas que esperamos uma capacidade crítica maior, mas tanto homens quanto mulheres que fazem música, concordam com essa situação e criam uma aceitação porque na própria cena musical existem pessoas que fortalecem esse pensamento machista nas letras. Além de ganhar dinheiro com isso, não perdem público”, avalia.

Mas há otimismo. “Apesar de inúmeros exemplos, isso já tem mudado. A cabeça da sociedade está se transformando e a música, naturalmente, deve acompanhar. Ela precisa andar junto com a sociedade”, analisa Tauini.

Para Rossiane, a internet tem papel nessa mudança. “Acho que, hoje em dia, o público tem acesso a mais informação e tem o poder para fazer pressão nas plataformas sociais. A tendência é evoluir, tanto por uma questão de público quanto artistas. A luta por respeito, representatividade e igualdade entre gêneros é um caminho sem volta. Acreditamos nisso e lutamos por isso todos os dias”.

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