A Colangite Esclerosante Primária (CEP) acomete cerca de 10 a 40 pessoas em um milhão no mundo todo, sendo mais comum nos homens, com idade média de 40 anos. Apesar da enfermidade não ter cura, existem tratamentos que podem proporcionar uma razoável qualidade de vida. Na quarta e última reportagem sobre as doenças que afetam 1% da população, falaremos um pouco mais sobre a CEP.
O gastroenterologista do Hospital Vera Cruz José Carlos Couto explica que a CEP é um processo de cunho autoimune, no qual ocorre uma inflamação das vias biliares com cicatrização progressiva, tanto intra como extra-hepáticas. “Com o tempo, essa formação de cicatrizes leva a obstrução dos canais. Ela é considerada uma doença grave e se não tratada pode levar a ter consequências, como o desencadeamento de cirrose, devido ao acúmulo crônico da bile nos dutos biliares”.
Ainda segundo o gastro, a CEP tem como complicação o colangiocarcinoma, um tipo de câncer extremamente agressivo que pode se desenvolver nos portadores da doença. “Ela ainda tem relação com outras patologias autoimunes como tireoidite de hashimoto, artrite reumatoide, retocolite ulcerativa idiopática, dentre outras. Cerca de 50% das pessoas que tem também são portadores de alguma inflamação intestinal”.
Entre os principais sinais e sintomas está a fadiga e a “coceira”. Com a evolução da doença, posteriormente pode aparecer a icterícia, coloração amarelada da pele, das conjuntivas e da urina escura. “Alguns pacientes sentem dor no abdômen e febre. Quando surge a febre pode ser sinal de colangite bacteriana, que necessita de tratamento com antibiótico e drenagem das vias biliares”. Com relação à alimentação, o médico salienta que não existe restrições ou alimentos que pioram. “Porém, alguns pacientes podem apresentar certa intolerância a comida mais gordurosa, pois há uma diminuição da excreção da bile, responsável pela emulsificação e absorção das gorduras”.
O diagnóstico da CEP pode ser feito por exame de Colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM). “Por meio dele a gente consegue obter imagens dos dutos biliares e do duto pancreático, o que pode confirmar a doença. Existe ainda outro exame chamado Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE), mas esse é cada vez menos usado, pois é um exame mais invasivo”.
Tratamento
Muitos pacientes convivem bem com a CEP e tem os sintomas controlados. “Não existe tratamento medicamentoso que possa alterar o curso da doença. Os corticosteroides e os imunossupressores não são eficazes. O ácido ursodesoxicólico pode melhorar um pouco os níveis das enzimas hepáticas, mas também não alteram o curso natural da CEP. O tratamento endoscópico, com colocação de prótese biliares, pode aliviar alguns sintomas, diminuir a icterícia e ajudar no tratamento da colangite bacteriana, mas não se comprovou como eficaz na cura”.
TRANSPLANTE DE FÍGADO
Os critérios utilizados para realizar a cirurgia é por meio da classificação MELD (Model for End-Stage Liver Disease) que avalia a gravidade da doença hepática por pontos. A partir de 15 pontos passa a ser candidato ao transplante. Porém, normalmente ele só ocorre com MELD acima de 20.
Os pacientes que necessitam de urgência são aqueles que apresentam alta pontuação, ou seja, possuem tumor ou uma cirrose avançada. “Existem alguns casos especiais que é quando a pessoa apresenta prurido extremo ou possui pelo menos de duas a três colangites bacterianas recorrentes ou o diagnóstico de colangiocarcinoma menor do que 3 cm. A cirurgia prolonga a vida e cura alguns dos distúrbios considerados fatais”.
De acordo com o gastro, após o transplante raramente pode haver a reincidência da CEP. “O tipo de transplante indicado é o que fígado é transplantado em conjunto com as vias biliares extra-hepáticas”, finaliza.
Vencendo a doença
A enfermeira Ivana Ribeiro, de 33 anos, descobriu a CEP em meados de 2014. Atualmente ela está afastada do emprego para se tratar. “Sempre tive uma fragilidade na saúde. Fiz vários exames de sangue e ultrassom que demonstrou que o canal onde passa a bile no fígado estava mais estreito. O diagnóstico definitivo veio por meio de uma biópsia. Os sintomas eram parecidos com uma ressaca. Bastante náusea, dor de cabeça e fraqueza. Eu também sentia falta de ar, indisposição e muita coceira nas mãos e nos pés”.
Além da CEP, ela também desenvolveu hepatite autoimune e cirrose. “Meu organismo passou a ter aversão a álcool. Se eu tomar um pouco de cerveja, por exemplo, já tenho como se fosse uma crise alérgica. Fico com os olhos inchados e fecha a garganta”. Ela conta que seu fígado está inchado e sente fisgadas em alguns momentos do dia, mas não é uma dor contínua.
Ivana diz que quando foi diagnosticada acabou ficando um pouco deprimida. “A gente lê na internet que a sobrevida é pequena e passam diversas questões na nossa cabeça. E, além dessa depressão, o tratamento é bem complicado. A medicação que tomo, o imunossupressor, tem uma lista de efeitos colaterais, incluindo o risco de ter leucemia e queda de cabelo. Às vezes parece que estou tomando um veneno”.
A enfermeira conta que não foi fácil aceitar o tratamento. “Parecia que eu estava tomando uma medicação que me deixava pior e debilitada. Como trabalho na área da saúde, não conseguia aceitar a questão de como eu ia tomar um remédio que tira minha imunidade e ainda trabalhar em um ambiente hospitalar que é contaminado”.
Atualmente a doença está estabilizada. Além do tratamento à base de remédios, Ivana faz acompanhamento com psiquiatra e evita qualquer tipo de alimento que possa sobrecarregar o fígado como os gordurosos, processados e embutidos. Ela reforça que ainda não pode ser candidata ao transplante. “No meu caso, o comprometimento está no grau 6, o que é considerada baixa para realizar a cirurgia”, encerra.